27 de ago. de 2010

Esperança, Virtude Teologal


 

Esperança, Virtude Teologal

“A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. ‘Continuemos a afirmar nossa esperança, porque é fiel quem fez a promessa’ (Hb 10,23). ‘Este Espírito que ele ricamente derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados por sua graça e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna’(Tt 3,6-7). A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no coração de todo homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens; purifica-as, para ordená-las ao Reino dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O impulso da esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade. A esperança cristã retoma e realiza a esperança do povo eleito, que tem sua origem e modelo na esperança de Abraão, cumulada em Isaac, das promessas de Deus, e purificada pela prova do sacrifício. ‘Ele, contra toda a esperança, acreditou na esperança de tornar-se pai de muitos povos’ (Rm 4,18).
A esperança cristã se manifesta desde o início da pregação de Jesus no anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu, como para a nova Terra prometida; traçam o caminho por meio das provações reservadas aos discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos de Jesus Cristo e de sua Paixão, Deus nos guarda na ‘esperança que não decepciona’ (Rm 5,5). A esperança é a ‘âncora da alma’ segura e firme, ‘penetrando... onde Jesus entrou por nós, como precursor’ (Hb 6,19-20). Também é uma arma que nos protege no combate da salvação: ‘Revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da esperança da salvação’ (l Ts 5,8) Ela nos traz alegria mesmo na provação: ‘alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação’ (Rm 12,12). Ela se exprime e se alimenta na oração, especialmente no Pai-Nosso resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar. Podemos esperar, pois, a glória do céu prometida por Deus aos que o amam e fazem sua vontade. Em qualquer circunstância, cada qual deve esperar, com a graça de Deus, ‘perseverar até o fim’ e alcançar a alegria do céu como recompensa eterna de Deus pelas boas obras praticadas com graça de Cristo. Na esperança, a Igreja pede que ‘todos ó homens sejam salvos’ (1Tm 2,4). Ela aspira a estar unida a Cristo, seu Esposo, na glória do céu. ”[1]
A espiritualidade cristã deve ser, antes de mais nada, espiritualidade teologal. O fundamento da existência cristã é o dom de Deus, essencialmente uno e indivisível. Daí a exigência de restabelecer a unidade entre fé-esperança-caridade, para voltar a encontrar o lugar que a esperança ocupa na vida do crente. Na existência cristã, a fé ocupa o primeiro lugar; mas o primado pertence à esperança. Sem o conhecimento de Cristo, que se possui graças à fé, a esperança se converteria em utopia suspensa no ar. No entanto, sem a esperança, a fé esmorece e torna-se tíbia e morta. Por meio da fé, o homem encontra o caminho da vida autêntica; mas somente a esperança pode mantê-lo em tal caminho. Por isso, a fé em Cristo faz que a esperança se transforme em certeza; e a esperança confere amplo horizonte à fé, levando-a à vida.
A esperança é, portanto, a verdadeira dimensão da fé; é o caminhar da fé para o seu objeto: Deus senhor do futuro, cujo nome bíblico Iahweh foi interpretado por Martin Buber com as seguintes palavras: ‘Eu estarei presente como aquele que estará presente’. Por isso, a fé e a esperança não podem justapor-se como se a fé se referisse ao que já aconteceu, ao passo que a esperança olhasse exclusivamente para o futuro. Tanto o presente quanto o futuro de Cristo fundamentam a fé e a esperança na imanência recíproca de ambas. A fé lembra a realidade da ressurreição de Cristo como acontecimento criador de futuro. A esperança, por sua vez, alimenta a tendência para o futuro, baseando-se na realidade do que já aconteceu. Memória e esperança ‘são duas atitudes do espírito humano tendentes a realizar a unidade da própria experiência. O homem está, portanto, sujeito a dupla tentação. A primeira consiste na possibilidade de perder-se na objetivação da ação concreta; de alienar-se numa mediação em que se perde justamente a consciência de sua mediatez. É chamado, portanto, a reencontrar-se e a recuperar-se. A memória é esta tendência ao autorreencontro. Como tal, não se opõe exclusivamente ao esquecimento do passado, mas também e, sobretudo ao distanciamento, à alienação do sujeito na rede das relações com a natureza e com seus semelhantes. A segunda tentação do homem é a do autorreflexo, a incapacidade de sair de si mesmo, a falta de imaginação. Exatamente o sentido da inadequação assim concebida é o que se expressa na esperança. Esta abre o momento atualmente vivido pelo homem às possibilidades que o medo e o terror diante do novo e do risco tendem a eliminar. A esperança me abre à possibilidade que o outro me pode oferecer, mas também ao fato e à história. Como tal, não é apenas nem principalmente a tendência orientada para o futuro, mas a presença atenta às dimensões do presente, à sua limitação e à sua profundidade’.
A atitude fundamental do homem diante da ressurreição de Cristo, como cumprimento e promessa, não pode ser outra senão a da fé- esperança, isto é, a do abandono corajoso à sua fidelidade. Por outro lado, a fé-esperança, como ato de confiança absoluta em Deus, que salva mediante o mistério pascal de Cristo, implica a entrega total do homem a Deus e aos irmãos, isto é, a caridade. Confiar em Deus significa amá-lo; ora, o amor só se realiza, só é autêntico nas obras. A esperança cristã não é puramente pessoal, mas essencialmente comunitária: une entre si os cristãos em sua relação comum com Cristo (Ef 4,4-6; Cl 3,12-15). É chamada a assumir o significado ilimitado do amor divino, e, neste sentido, se converte no fundamento que possibilita o amor. ‘Para o amor sempre são necessárias a esperança e a certeza do futuro, pois o amor dirige seu olhar às possibilidades ainda não captadas do outro homem, e, por isso, lhe propicia liberdade e lhe garante futuro ao reconhecer suas possibilidades. No conhecimento e na oferta dessa dignidade humana de que o homem se torna digno na ressurreição dos mortos, o amor criador encontra o futuro total, em direção a quem ama’.
A relação da esperança com o amor cristão projeta, portanto, luz nova sobre a própria esperança como exigência intrínseca de encarnar-se na tarefa de transformar o mundo a serviço do homem. A esperança no futuro de Deus, que é futuro comum, seria vã se não incluísse a solidariedade presente do amor realizado na ação. A polarização da existência cristã em torno das virtudes teologais, consideradas em sua unidade intrínseca e em sua interdependência, evidencia o papel da esperança na espiritualidade cristã e seu indiscutível primado na atual fase histórica da salvação. ‘Ela, a esperança, é quem tudo arrasta consigo. Porque a fé só vê o que existe, ao passo que a esperança vê o que existirá... O amor só ama o que existe, mas a esperança ama o que existirá... no tempo e por toda a eternidade’ (Ch. Péguy).
A esperança cristã funciona não tanto como posse segura de uma Presença, mas antes como espera de algo novo, como exigência profética que vai ‘além’ das instituições e da força do poder. Baseada no kairós, é espera desta ou daquela possibilidade de evento novo no horizonte da vinda escatológica do Senhor. A esperança é, portanto, estado permanente e constitutivo do viver cristão; É a condição mediante a qual o crente, inserindo-se no dinamismo dos acontecimentos históricos, olha as coisas em profundidade e aceita o risco das opções presentes com a constante tendência para o futuro.”[2]

Etimologia

Esperança tem origem no latim spes, sperare.  No latim clássico, é pronunciado spayss. No latim eclesiástico é pronunciado spayz; O Dicionário Eletrônico Houaiss diz que a palavra esperança vem de “esperar+ança”. Existiu em latim sperantia, neutro plural de sperans, sperantis, particípio presente do verbo sperāre, que teria suplantado o latim clássico spes, spei, “esperança”. Significa uma espera aberta, que não assenta em resultados externos, como a expectativa, mas sobre a realização da pessoa; uma mudança radical da condição humana. Na Bíblia é pequena a atenção dispensada ao sentimento da esperança. Raras vezes apresenta-se como atitude subjetiva; quase sempre nos é oferecida como propensão a determinado objeto bem definido. [3] Spes, Esperança, Speranza, Espérance, Hope, Hoffnung.
Assim, a esperança é uma tendência para um bem futuro e possível. A esperança é uma energia interna, que cresce a cada momento e que nos torna capazes de derrubar muros e obstáculos que considerávamos intransponíveis. Sentimento que leva o homem a olhar para o futuro, considerando-o portador de condições melhores que as oferecidas pelo presente, de tal sorte que a luta pela vida e os sofrimentos são enfrentados como contingências passageiras, na marcha para um fim mais alto e de maior valor. “A esperança, do ponto de vista teológico, é uma virtude sobrenatural, que leva o homem a desejar Deus como bem supremo.” [4] Sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; a segunda das três virtudes teologais, ao lado da fé e da caridade. Representa-se por uma âncora. Esperança significa expectativa, espera. Esperança significa “sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; fé, também usado no plural e, em sentido figurado, aquilo ou aquele de que se espera algo, em que se deposita a expectativa; promessa”. A esperança projeta-se no futuro, uma vez que a pessoa que espera procura fundamentar e dar as razões dessa esperança e assume-se, consequentemente, não só como uma pessoa com um passado e um presente, mas, essencialmente, uma pessoa com um futuro. A vivência da esperança transmite paz e segurança ao dia de hoje e faz, assim, caminhar, sem medo, rumo a um horizonte futuro. Genericamente, a esperança é toda a tendência para um bem futuro e possível, mas incerto. Psicologicamente, tensão própria de quem se sente privado de um bem ardentemente desejado, mas que julga poder alcançar por si mesmo ou por outrem. A esperança diz respeito aos bens árduos e difíceis, porque não dependem apenas da vontade de quem os espera, mas também de circunstâncias ou vontades alheias, e que, por isso, a tornam de algum modo, incerta e falível. Justaposta às esperanças do dia-a-dia, há a grande esperança, ou seja, um vínculo permanente entre a espécie e o seu criador. O tema esperança é sempre atual. No Antigo Testamento, esperança é um assunto presente em todos os momentos decisivos da história do povo bíblico. Dentre as muitas palavras hebraicas que comunicam esperança, duas delas têm maior ocorrência nos livros do Antigo Testamento: a primeira é tohelet expressa esperança em meio à angústia (Jó 13,15; Sl 130,7): a segunda palavra é tiqewah que significa esperança em meio à grande expectativa (Sl 27,14; Is 40,31). Ambas palavras expressam o sentido de esperar com confiança. Na verdade, o grande chão da esperança é a fé e a confiança em Deus em meio às crises e provações. Por isso, esperar com firmeza é visto, na Bíblia, como uma grande expressão de fé. Aos sofridos exilados, na Babilônia, o profeta assim pronunciou: "Os que esperam no Senhor, renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam" (Is 40,31). Somente os que esperam e confiam crêem no futuro e salvação. Certamente, foi por isso que o profeta Zacarias chamou os crentes ou fiéis de "presos da esperança" (Zc 9,12). O idoso Simeão seria um desses fiéis, pois passou a vida esperando a consolação de Israel (Lc 2,25).

Aspecto teológico-ascético

“A esperança é o coração vivo da ascética. Ensina-nos a renegar-nos a nós mesmos e a renunciar ao mundo, não por sermos maus, nós e o mundo, mas porque não podemos, sem uma esperança sobrenatural que nos eleve acima das coisas, servir-nos perfeitamente do que é bom em nós e no mundo. Mas na esperança já somos senhores de nós mesmos e de todas as coisas porque na esperança já as temos, não tais quais elas são em si mesmas, mas tais quais são em Cristo: cheias de promessa. Todas as coisas são ao mesmo tempo boas e imperfeitas. A bondade rende testemunho à bondade de Deus. Mas a imperfeição de todas as criaturas nos incita a deixá-las para vivermos de esperança. Elas são em si mesmo insuficientes. Temos de passar além delas até Aquele no qual elas possuem o seu ser verdadeiro. Deixamos os bens deste mundo, não que não sejam bons, mas porque somente o são à medida que fazem parte de uma promessa. Eles, por seu turno, dependem da nossa esperança e da nossa renúncia, para realizar o seu destino. Se nós abusamos das coisas, arruinamo-nos juntamente com elas. Se delas usamos como filhos das promessas divinas, levamo-las conosco até Deus.
‘Porque a expectativa da criatura aguarda a revelação dos filhos de Deus... Porque a criatura também será livrada da escravidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus’ (Rm 8,19-21). Da nossa esperança, pois, depende a liberdade de todo o universo. Porque ela é o penhor dos novos céus e da nova terra, em que todas as coisas serão aquilo que devem ser. Elevar-se-ão conosco, em Cristo. Os animais e as árvores compartilharão, um dia, conosco a nova criação, e nós os veremos como Deus os vê, e conheceremos que são muito bons. Se, entretanto, as tomamos para nós, descobrimos que tanto elas como nós somos perversos. Eis o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, desgosto das coisas de que abusamos e de nós mesmos por tê-lo feito. Mas a bondade da criação entra no quadro da santa esperança. Todas as coisas criadas proclamam a fidelidade de Deus às suas promessas, e impelem-nos, por amor de nós e delas, a renegar-nos, a viver em esperança, com os olhos fitos no juízo e na ressurreição geral. Um ascetismo que não estiver suspenso a esta divina promessa é algo menos que cristão. ”[5]
“Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar,  por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar.  Ele pode ajudar-me. Se me encontro confinado numa extrema solidão. O orante jamais está totalmente só. Dos seus treze anos de prisão, nove dos quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van Thuan deixou-nos um livrinho precioso: orações de esperança. Durante treze anos de prisão, numa situação de desespero aparentemente total, a escuta de Deus, o poder falar-lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança, que, depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os homens em todo o mundo uma testemunha da esperança, daquela grande esperança que não declina, mesmo nas noites da solidão.
De forma muito bela Agostinho ilustrou a relação íntima entre oração e esperança, numa homilia sobre a Primeira Carta de João. Ele define a oração como um exercício do desejo. O homem foi criado para uma realidade grande ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas, o seu coração é demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado. ‘Assim procede Deus: diferindo a sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo, dilata a alma, tornando-a mais apta a receber os seus dons’. Aqui Agostinho pensa em S. Paulo que, de si mesmo, afirma viver inclinado para as coisas que hão de vir (Fl 3,13). Depois usa uma imagem muito bela para descrever este processo de dilatação e preparação do coração humano. ‘Supõe que Deus queira encher-te de mel (símbolo da ternura de Deus e da sua bondade). Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde vais por o mel?’ O vaso, ou seja o coração, deve primeiro ser dilatado e depois limpo: livre do vinagre e do seu sabor. Isto requer trabalho, faz sofrer, mas só assim se realiza o ajustamento àquilo para que somos destinados. Apesar de Agostinho falar diretamente só da receptividade para Deus, resulta claro, no entanto, que o homem neste esforço, com que se livra do vinagre e do seu sabor amargo, não se torna livre só para Deus, mas abre-se também para os outros. De fato, só tornando-nos filhos de Deus é que podemos estar com o nosso Pai comum. Orar não significa sair da história e retirar-se para o canto privado da própria felicidade. O modo correto de rezar é um processo de purificação interior que nos torna aptos para Deus e, precisamente desta forma, aptos também para os homens. Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente pode pedir a Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não pode rezar contra o outro. Deve aprender que não pode pedir as coisas superficiais e cômodas que de momento deseja, a pequena esperança equivocada que o leva para longe de Deus. Deve purificar os seus desejos e as suas esperanças. Deve livrar-se das mentiras secretas com que se engana a si próprio: Deus perscruta-as, e o contato com Deus obriga o homem a reconhecê-las também. ‘Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas’, reza o Salmista (19/18,13). O não reconhecimento da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem me salva, porque o entorpecimento da consciência, a incapacidade de reconhecer em mim o mal enquanto tal é culpa minha. Se Deus não existe, talvez me deva refugiar em tais mentiras, porque não há ninguém que me possa perdoar, ninguém que seja a medida verdadeira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta a minha consciência, para que deixe de fornecer-me uma autojustificação, cesse de ser um reflexo de mim mesmo e dos contemporâneos que me condicionam, mas se torne capacidade de escuta do mesmo Bem.
Para que a oração desenvolva esta força purificadora, deve, por um lado, ser muito pessoal, um confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo; mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e iluminada pelas grandes orações da Igreja e dos santos, pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo. O Cardeal Nyugen Van Thuan, contou no seu livro de Exercícios Espirituais, como na sua vida tinha havido longos períodos de incapacidade para rezar, e como ele se tinha agarrado às palavras de oração da Igreja e às orações da Liturgia. Na oração, deve haver sempre este entrelaçamento de oração pública e oração pessoal. Assim podemos falar a Deus, assim Deus fala a nós. Deste modo, realizam-se em nós as purificações, mediante as quais nos tornamos capazes de Deus e idôneos ao serviço dos homens. Assim tornamo-nos capazes da grande esperança e ministros da esperança para os outros: a esperança em sentido cristão é sempre esperança também para os outros. E é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas não caminhem para o ‘fim perverso’. É esperança ativa precisamente também no sentido de mantermos o mundo aberto a Deus. Somente assim, ela permanece também uma esperança verdadeiramente humana. ”[6]

Aspecto Místico

“Não somos perfeitamente livres enquanto não vivemos de pura esperança. Pois, quando é pura a nossa esperança, ela não mais confia em meios humanos e visíveis, nem repousa em qualquer fim visível. Quem espera em Deus, acredita que Deus, que ele jamais vê, o conduza à posse de bens que ultrapassam toda a fantasia. É quando não desejamos as coisas deste mundo por elas mesmas, que ficamos aptos a vê-las como são realmente. Vemos ao mesmo tempo a sua bondade e a sua finalidade, e tornamo-nos capazes de apreciá-las como nunca fizemos antes. Tão logo nos desprendemos delas, eis que começam a agradar-nos. Mal cessamos de contar só com elas, ei-las prontas para servir-nos. Uma vez que não dependemos mais nem do prazer nem do auxílio que nos dão, elas oferecem-nos um e outro à ordem de Deus. Pois que disse Jesus: ‘Procurai, primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas (isto é, tudo de que precisardes para a vossa vida na terra) vos serão dadas em acréscimo’ (Mt 6,33).
Esperança sobrenatural é a virtude que nos despoja de tudo a fim de nos dar tudo. Ninguém espera por aquilo que já tem. Por conseguinte, viver de esperança é viver em pobreza, sem nada. E, no entanto, se nos entregamos à economia da Providência, nada do que esperamos nos faltará. Pela fé conhecemos a Deus sem O ver. Pela esperança possuímos a Deus sem sentir-Lhe a presença. Se nós esperamos em Deus já O possuímos pela esperança, pois ela é uma confiança que Ele cria em nossas almas, como uma evidência secreta de que Ele tomou posse de nós. Assim, a alma que espera em Deus, já Lhe pertence, e pertencer a Deus é o mesmo que possuí-Lo, pois Ele se entrega totalmente àqueles que a Ele se entregam. O que a fé e a esperança não nos dão, é somente a visão clara d’Aquele que nós já possuímos. Somos-Lhe unidos na obscuridade, porque temos de esperar. A esperança priva-nos de cada coisa que não é Deus, para que todas as coisas possam servir ao seu verdadeiro destino, que é levar-nos a Deus. A esperança é proporcional ao desprendimento. Ele introduz a nossa alma no estado do mais perfeito despojamento. É graças a isto que ela restaura todos os valores, dispondo-os no seu justo lugar. A esperança esvazia-nos as mãos, para que possamos trabalhar com elas. Mostra-nos que temos razão de agir, e ensina-nos a fazê-lo. Sem a esperança, a nossa fé só nos dá distantes relações com Deus. Sem o amor e a esperança, a fé só O conhece como a um estranho. Pois a esperança é que nos joga nos braços da sua misericórdia e da sua providência. Se esperamos em Deus, não nos limitaremos a saber que Ele é bom, mas experimentaremos nas nossas vidas a sua misericórdia.
Se, em vez de confiar em Deus, eu confio apenas na minha inteligência, nas minhas forças, e na minha prudência, os meios que Deus me deu para achar caminho até Ele hão de falhar sem exceção. Sem a esperança, não há nada, na criação, que preste para algo de fundamental. Colocar a nossa esperança em coisas visíveis, é viver no desespero. E, no entanto, se eu espero em Deus, devo fazer também um uso confiante dos recursos naturais que ao lado da graça me ajudam a ir para Ele. Se Deus é bom, e se a minha inteligência é uma dádiva sua, o meu dever é mostrar, pela inteligência, a minha confiança na sua bondade. Devo deixar a fé elevar, curar e transformar a luz da minha mente. Se Ele é misericordioso, e se a minha liberdade é um dom da sua bondade, devo mostrar, pelo uso da minha vontade livre, a confiança que ponho na sua misericórdia. Devo deixar a esperança e a caridade purificar e robustecer a minha liberdade humana e elevar-me até a gloriosa autonomia dos filhos de Deus. Alguns há que pensam ter confiança em Deus e, na realidade, pecam contra a esperança, porque não usam a vontade e o juízo que Deus lhes deu. Que utilidade tem em esperar da graça, se não me atrevo a fazer o ato de vontade que corresponde à graça? Como tirar proveito de uma entrega passiva de mim mesmo à vontade de Deus, se me falta a força de vontade para obedecer aos seus mandamentos? Por conseguinte, se eu tenho confiança na graça de Deus, devo também mostrar confiança nos poderes naturais que Ele me deu, não que sejam minhas estas faculdades, mas por serem dádiva sua. Se creio na graça de Deus, devo também levar em conta a minha vontade livre, sem a qual a sua graça seria inútil na minha alma. Se acredito que Deus pode amar-me, devo também crer que posso amá-lo. Se não creio que posso amar a Deus, então não creio naquele que nos deu o primeiro mandamento: ‘Amarás o Senhor teu Deus, de todo o coração, toda a mente e toda a tua força, e a teu próximo como a ti mesmo’. Podemos amar a Deus de dois modos: ou porque esperamos dele alguma coisa, ou porque nele esperamos, sabendo que nos ama. Às vezes começamos com a primeira maneira de esperar, e progredimos para a segunda. Neste caso, a esperança e a caridade estão intimamente unidas, e ambas repousam em Deus. Neste caso, cada ato de esperança pode abrir as portas à contemplação, porque tal esperança traz a sua própria plenitude. Em vez de esperar por alguma coisa do Senhor, à margem do seu amor, coloquemos toda a nossa esperança nesse amor mesmo. Uma esperança assim é tão segura como o próprio Deus. Não pode ser jamais confundida. Ela é mais do que uma promessa de realização. Ela é já um efeito do amor pelo qual ela espera. Se busca a caridade, é porque já a achou. E se busca a Deus, é sabendo que já foi encontrada por Ele. Viaja para o céu, sentindo obscuramente que já ali aportou.
Todos os desejos podem falhar, menos um. O único desejo que é infalivelmente cumprido, é o de ser amado por Deus. Não podemos querer Deus eficazmente, sem ao mesmo tempo desejar amá-lo, e o desejo de amá-lo é um desejo que não pode malograr. Simplesmente por desejar amá-Lo, já estamos começando a fazer aquilo mesmo que desejamos. A nossa liberdade é perfeita quando nenhum outro desejo pode impedir-nos de amar a Deus. Mas, se amamos a Deus por qualquer outra coisa que Ele mesmo, acalentamos um desejo que pode enganar-nos. Corremos o risco de odiá-lo no caso de não alcançarmos aquilo por que esperamos. Só é legítimo amar todas as coisas e ir ao seu encalço, quando elas se convertem em meios de amar a Deus. Não há nada que não possamos pedir-lhe, se é para que Deus seja ainda mais amado por nós ou por outros homens.
Seria um pecado limitar a nossa esperança em Deus. A Deus, devemos amar sem medida. Todo pecado tem raízes na carência de amor. Todo pecado consiste em retirar de Deus o amor, e aplicá-lo a outra coisa. O pecado limita a nossa esperança e aprisiona o amor. Se colocamos o nosso fim último em qualquer criatura, retiramos inteiramente do serviço de Deus vivo os nossos corações. Se, de outro lado, continuamos a amá-Lo como a nosso fim, mas sem que Ele seja a nossa única esperança, o nosso amor e a nossa esperança deixam de ser o que deviam ser, pois nenhum homem pode servir a dois senhores. A fé, que me diz que Deus quer ver salvos todos os homens, deve ser completada pela esperança de que Deus me quer salvar e pelo amor que corresponde ao desejo, e sela com a convicção a minha esperança. Assim, a esperança oferece a cada alma a substância de toda a teologia. Pela esperança, todas as verdades que são apresentadas a todos numa forma impessoal e abstrata tornam-se para mim convicção pessoal e interior. O que eu creio pela fé, o que eu compreendo pela teologia, eu o possuo e faço meu pela esperança. A esperança é o limiar da contemplação, porque a contemplação é uma experiência das coisas divinas, e nós não podemos experimentar o que não possuímos de algum modo. Pela esperança nós tocamos na substância daquilo que cremos; pela esperança já possuímos a essência das promessas do amor divino.
Jesus é a teologia do Pai, revelado aos homens. A fé me diz que essa teologia é acessível a todos. A esperança me diz que Ele me ama tanto, que se dá a mim. Se eu não espero em seu amor por mim, jamais conhecerei realmente a Cristo. Pela fé eu ouço falar dele. Mas, enquanto a minha fé não for completada pela esperança e pela caridade, eu não entro em contato com Ele e por Ele com o Pai: esperança esta que compreende o seu amor por mim, e caridade que lhe paga, em retorno, a minha dívida de amor. A esperança procura não somente a Deus e os meios de atingi-lo; mas, sobretudo procura a glória de Deus, revelada em nós, manifestação final da sua infinita misericórdia que pedimos ao dizer: Venha a nós o vosso Reino.” [7]A esperança no reino que há de vir, entendido corno poder de Deus, tem suas raízes nas experiências vividas por Israel ao longo de sua trajetória histórica. A soberania de Deus vai-se revelando pouco a pouco até sua consumação definitiva em Cristo morto e ressuscitado. Diversamente dos outros povos, Israel viveu sua existência corno história aberta para o futuro. Em sua origem, não há acontecimento mítico, mas acontecimento histórico: o êxodo da escravidão do Egito. Neste acontecimento, o povo hebreu experimentou o Deus dos pais, como Deus da promessa e da esperança e, ao mesmo tempo, descobriu ser povo a caminho. Neste sentido, a categoria da promessa deixou sua marca na própria linguagem religiosa de Israel, caracterizada pela escatologia do Deus que vem.
O regime da promessa começa com Abraão: nele Deus irrompe com poder na história, escolhendo para si um povo, a fim de torná-lo ‘sinal’ de salvação para todos (Gn 17,4-8; cf. 12,2-3). A esperança assume imediatamente os contornos de espera histórica: é esperança para esta vida, tanto no povo quanto no indivíduo. Possuir Deus significa, efetivamente, possuir o futuro: a libertação da escravidão, uma terra, a derrota do inimigo, a vitória do justo. O profetismo desenvolve a linha da espera messiânica do ponto de vista de profunda renovação interior (Is 11,1-10; 53,5-12; 62,2-4; Jr 31,31-34). Os profetas desautorizam a pretensão de Israel de construir o seu próprio futuro. Nesta linha, interpretam o malogro político e a experiência do exílio como juízo de Deus contra seu povo, que o traiu. Seu ensinamento é escatológico, porque tiram Israel ‘do âmbito salvífico dos fatos até então acontecidos’ e mudam ‘seu fundamento salvífico por meio de outro fato divino que está por acontecer’. Deste modo, a salvação se universaliza, e ao mesmo tempo, se espiritualiza, dando à promessa horizonte de expectativa, não mais marcado pelo limite da existência, porém aberto à novidade de vida diferente sob a soberania de Deus.
Outro aprofundamento posterior é operado pela literatura apocalíptica do judaísmo tardio, que tende a ‘desistorizar’ a promessa, fazendo da história unicamente o lugar em que se revela gradativamente o projeto de Deus, rigorosamente marcado desde o princípio. Mas a novidade mais significativa enraíza-se principalmente no fato de que o mundo inteiro se vê envolvido no processo escatológico da história humana. Assim, pois, progressivamente, a esperança do indivíduo tende a novo eon, isto é, a um renascimento do universo e a uma regeneração de todas as coisas. Para Israel, o fundamento da promessa é a fidelidade de Deus. Conhecer a Deus significa reconhecê-lo na fidelidade histórica a suas promessas; ele antecipa seu cumprimento real com grande número de prefigurações, isto é, de utopias realistas; mas fá-lo sem pré-julgar sua soberana liberdade. A promessa divina anuncia, efetivamente, de maneira antecipada, o que ainda não existe e que não deve desenrolar-se necessariamente dentro do quadro das possibilidades oferecidas pelo presente, mas que nasce unicamente do que é possível a ele. Certamente, concretiza-se no cumprimento das promessas feitas aos pais; mas, ao mesmo tempo, é superior a todo cumprimento. O motivo desta supervalorização constante é o caráter inesgotável do mistério de Deus. Ao rebaixar sempre os fatos e ao assinalar o futuro, a promessa permite que Israel encontre sua identidade e continuidade, reapropriando-se continuamente dos fatos históricos, aceitando-os e interpretando- os sempre de novo. Aliás, a promessa estimula a liberdade do homem, porque exige sua colaboração. Enquanto isso, entre a promessa anunciada e seu pleno cumprimento transcorre a história como obra do homem a caminho da pátria da identidade consigo mesmo e da plena comunhão da humanidade. O mundo passa a ser o lugar do compromisso humano, porque Deus não manifestará definitivamente seu reino, enquanto o homem não houver estabelecido os fundamentos para isso.
A promessa de Deus tornou-se realidade em Cristo: ‘Quanto a nós, anunciamo-vos a Boa Nova: a promessa, feita a nossos pais. Deus a realizou plenamente para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus’ (At 13,32-33). O dom do espírito é a confirmação da promessa realizada (At 1,4-5; 2,33). A certeza da esperança cristã encontra seu ponto de apoio definitivo e se converte ao mesmo tempo em renúncia a toda segurança humana e em completo abandono confiado ao mistério do amor absoluto de Deus. Em toda a sua existência, Cristo é acontecimento escatológico; traz em si a tendência para o futuro absoluto, que é Deus. Mas, é, sobretudo, o mistério pascal que revela plenamente o significado escatológico desta existência. A morte de Cristo é o cumprimento de sua entrega definitiva ao Pai; neste ato de êxodo de si mesmo e de confiança em Deus, ‘que podia salvá-lo da morte’ (Hb 5,7), o tempo de Cristo chega à sua suprema tendência à comunhão de vida com Deus. Sua ressurreição é o começo de vida nova não somente para ele, mas também para nós; porque Cristo foi ressuscitado por Deus como ‘primícia dos que morrem’, ‘primogênito entre muitos irmãos’ e ‘espírito vivificador’ (lCor 15,20-57; Rm 8,29; Cl1,18; At 26,23). Sua vitória é vitória para nós, porque é cumprimento irrevogável da promessa de Deus e inauguração do futuro não só da humanidade, mas também do mundo e da história (Cl 1,15-20; Ef 1,10.20-23). Neste sentido, a ressurreição é a origem do querigma e da esperança cristã. Com ela apareceu novo fator, que abre nosso mundo, encerrado na morte e no pecado, para o futuro; futuro que já está presente.
A ressurreição de Cristo, porém, não é mera consumação; implica a dialética interna do cumprimento e da promessa. E o cumprimento de todas as promessas que Deus fez a Israel (Gl 3,16-22; 2Cor 1,19-20; Lc 24,25-27.44.47) e é, ao mesmo tempo, promessa de outro cumprimento posterior, porque ainda não chegou nela o fim, mas apenas o seu começo; o futuro de Cristo deve vir ainda (At 1,11; Hb 9,28; 10,23). ‘E o éschaton, que irrompe transcendentalmente, aquele que situa em sua crise última toda a história do homem. Mas, com ele, o éschaton se torna igualmente próximo e distante da eternidade transcendental, do sentido transcendental de todos os tempos, de todos os tempos da história’. Desta forma, o futuro da história corresponde ao futuro de Cristo, ao cumprimento na glória de Deus da plena libertação do homem e do mundo. A continuidade entre Antigo e Novo Testamento tem raízes no fato de que o acontecimento de Cristo possui seu lugar numa história bem definida; é o cumprimento dessa história e, como tal, revela sua essência e verdade. Mas as tendências e as implicações latentes nele prolongam-se no futuro que abre. A ressurreição não é a consumação de todas as coisas; a ressurreição pôs em movimento um processo histórico escatologicamente determinado, cuja meta é a destruição da morte com a vitória da vida e a realização da justiça de Deus.
A presença dinâmica do Espírito, que impele os homens e as coisas para o amadurecimento final, situa o cristão em estado de tendência e de espera. Por outro lado, ele sabe que o poder criador de Deus torna-se compreensível unicamente à luz da cruz, porque nasce do aniquilamento total de toda expectativa mundana. Por isso, a esperança cristã não teme o negativo. É ‘esperança crucificada’, que se abre ao dom da ressurreição (Rm 4,17). Seu termo de mediação não é a possibilidade de desilusão, e sim a desilusão efetiva: a cruz de Cristo. Neste sentido, é esperança contra toda esperança (Rm 8,24-25; Hb 11,1). ‘A cruz de Cristo é o sinal da esperança de Deus neste mundo para todos os que, em sua vida, se abrigam à sombra da cruz. A teologia da esperança é, em seu ponto nuclear, teologia da cruz. A cruz de Cristo é a forma atualmente presente do reino de Deus na terra. O futuro de Deus nos contempla em Cristo crucificado. Todo o resto são sonhos e fantasias, meras ilusões. A fé cristã distingue-se do otimismo e da violência por causa da liberdade nascida da cruz’.
No mistério pascal emerge e aflora o sentido supremo da esperança cristã: é ao mesmo tempo compromisso histórico e abertura ao porvir escatológico como dom do poder de Deus. A força espiritual da esperança revela-se, sobretudo diante do enigma fundamental da vida, representado pelo mistério da morte. Por trás da máscara de toda pretensão terrena de algo absoluto, está escrito: memento mori. Por isso, o dilema de Hércules é inevitável: ou o absurdo, isto é, a falta de sentido na vida dos indivíduos e na história da humanidade, ou a invocação deste sentido absoluto da vida, para cuja construção sozinhos estamos ontologicamente incapacitados.
O tempo, que é justamente a duração específica do homem como espírito encarnado, revela ao homem sua caducidade, a presença oculta do nada em sua finitude criatural, seu ser-para-a-morte. Obriga o homem a se realizar nos atos repetidos de sua liberdade, em relação com os outros e com o mundo, fazendo-o tocar com a mão o fato de que, em nenhuma de suas decisões livres, chega a realizar-se e a possuir-se como plenitude. Por outro lado, a autopresença do espírito humano, que unifica o presente, o passado e o futuro, adverte o homem de que no fundo de si mesmo existe alguma realidade que transcende a duração sucessiva do tempo. O homem existe no tempo e acima do tempo. Traz, na consciência de si mesmo, a capacidade para uma plenitude supratemporal que, embora não possa conquistar por si mesmo, pode recebê-la como dom. A existência do homem tende para o futuro de uma vida libertada para sempre da caducidade do tempo e da morte.
A esperança cristã resgata o homem da perdição, porque resgata o tempo; fá-lo entrar na dinâmica da vida eterna, já iniciada, e projetar- se para a sua plenitude definitiva. ‘Se falo agora da esperança na vida eterna, devo limitar-me à pergunta: Que nos dá o direito a tal esperança? Que tem nossa experiência, aqui e agora, que justifique tal esperança? A resposta é a seguinte: porque experimentamos a presença do Eterno em nós e em nosso mundo... Esta é a base da esperança de participar da vida eterna; esta é a justificativa de nossa última esperança... A verdadeira esperança da vida eterna só é possível quando participamos dela aqui e agora. O grau de certeza de semelhante esperança depende da medida em que participemos, já desde agora, do eterno. Esta esperança pode ser maior ou menor; porém, uma coisa é certa: ela nunca é contínua, mas entre cortada de dúvidas; é feita de vacilações, de êxtases e de desespero. Não obstante, esta é a única experiência que nos dá direito à nossa última esperança’(Paul Tillich).
A garantia de tudo isto tem sentido e, portanto, o fundamento definitivo da certeza da esperança é a fé em Cristo morto e ressuscitado e o dom do Espírito. O tempo do homem transformado pelo Espírito de Cristo participa do tempo de Cristo. De um lado, é tempo de morte e de decisão diante do destino de morte. De outro, é tempo que tende para sua plenitude supratemporal através da morte. A caducidade do tempo provém da condição de criatura própria do homem e da fragilidade de sua liberdade, submetida à força desagregadora do pecado. Sua orientação para a plenitude integra a ‘nova criação’ mediante o dom divino do Espírito. O tempo da humanidade redimida por Cristo é tempo que tende à participação da vida eterna de Deus, isto é, à plenitude do futuro absoluto.
Tudo isso se pode captar na esperança. O tempo e a história mantêm ainda sua ambivalência. Somente a esperança confere ao homem a capacidade de viver a tensão do tempo presente entre o risco de sua própria queda, a insegurança existente em si mesmo diante do porvir e a confiança na promessa do Deus que vem e que virá. Neste sentido, a esperança é aceitação antecipada e permanente da morte no abandono de nós mesmos ao Deus que ressuscita dos mortos. Desta forma, a vida finita eterniza-se como finita, não mais mediante seu prosseguimento sem limite de tempo, porém mediante sua assunção no mistério de Deus. A experiência da morte é, em sua tragicidade, assimilação à morte de Cristo. A esperança cristã passa através do itinerário do sofrimento e da dor, que são parte estrutural da condição humana. Não obstante, o fato de esperar a superação da morte liberta o cristão para uma vida oposta à mera auto-afirmação, cuja verdade é a morte, e estimula-o a viver para os outros e a transformar o mundo. Assim, evidencia-se a certeza do futuro de Deus: ‘Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos’ (1Jo 3,14).” [8]

Aspecto prático

“Em meio às dificuldades e sofrimentos do tempo presente, Deus nos alimenta, consola e fortifica com a esperança. As tribulações da vida não apagam a esperança, ao contrário, fazem com que esta desperte com uma força admirável e nos empurre para frente, sempre nos mostrando que ainda há possibilidades. A Sagrada Escritura afirma isso quando diz: ‘A tribulação produz a perseverança; a perseverança, a fidelidade provada; e a fidelidade provada, a esperança. E a esperança não decepciona’ (Rm 5,3-5a).
Ela não é uma utopia ou uma disposição interior que nos permite construir mundos imaginários; é inteiramente concreta: nas situações em que paralisamos ou desesperamos e pensamos que já não há nada a ser feito, eis que a esperança se ergue dentro de nós e com a força do Espírito Santo diz: ‘Tente outra vez; seja mais humilde; reze, reze mais; não desista, ainda há solução; suporte com paciência... Ela coloca sempre à nossa frente novas possibilidades. É quem nos mostra o sentido da vida, alimenta a nossa fé e nos conduz à caridade. Na carta aos Hebreus, o autor compara a esperança a uma âncora: ‘Nela temos como que uma âncora da nossa vida segura e firme’ (Hb 6,19). Segura e firme porque atirada não na terra, mas no céu, não no tempo, mas na eternidade, ‘além do véu do santuário’.  ‘Essa imagem da esperança tornou-se clássica. Mas temos também uma outra imagem da esperança em certo sentido oposta: a vela. Se a âncora é aquilo que dá ao barco a segurança e o mantém firme entre o balanço do mar, a vela é, ao contrário, aquilo que o faz avançar no mar. Ambas as coisas fazem a esperança com o barco da Igreja. Ela é, na verdade, como que uma vela que recolhe o vento e, sem barulho, o transforma em força motora que leva o barco, segundo os casos, para o mar aberto ou para a margem. Como a vela nas mãos de um bom marinheiro consegue utilizar todos os tipos de vento, de onde quer que ele sopre, favorável ou menos favorável, para fazer o barco avançar na direção desejada, o mesmo faz a esperança. Trata-se agora de ver como orientar essa vela, como utilizá-la para que ela faça mesmo cada um de nós avançar à santidade, e todo o Reino de Deus até os confins da terra’ (Raniero Cantalamessa). Temos uma pergunta fundamental: ‘Como manter viva a esperança, não só em nossa vida, mas também de modo a transbordá-la para o mundo desesperançado?’ Diariamente, Deus renova na vida de seus amados filhos a graça da esperança, a nós cabe acolhê-la. Isso se dá através dos Sacramentos, da própria Palavra de Deus, da voz de Deus em nosso coração que continuamente nos diz: ‘Levanta e anda!’. E esta ação do Senhor restaura o que antes era enfermo.
 Antigamente, os fiéis, ao sair da Igreja, passavam a água benta de mão em mão, desejando que, através desse gesto simples, a outra pessoa também recebesse as graças e os dons de Deus. Podemos seguir esse exemplo e passar ‘de mão em mão’, de pai para filho, de amigo para amigo, a alegria e a paz da esperança. São Paulo nos fala na carta aos Romanos: ‘Que o Deus da esperança vos cumule de alegria e de paz na fé’ (Rm 15,13); daí temos a certeza de que a alegria e a paz são frutos diretos da esperança, e como vivemos num mundo sem alegria e sem paz, podemos afirmar que o homem de hoje perdeu a esperança, mas deseja reencontrá-la porque não deixa de procurar (ainda que de forma equivocada), alguma coisa que responda a essa sua necessidade. Não devemos ter medo de parecer ingênuos, falando de esperança e com o nosso testemunho contagiando o mundo com a alegria e a paz que vêm de Deus.
‘Talvez, em nenhum outro momento, o mundo moderno mostrou-se tão bem-disposto para com a Igreja, tão à escuta dela, como durante os anos do Concílio. E o motivo principal é que o Concílio dava esperança. A Igreja não pode fazer, no mundo, uma doação melhor do que dar-lhe esperança, não esperanças humanas, efêmeras, econômicas ou políticas, sobre as quais ela não tem competência específica, mas esperança pura e simples, aquela que, mesmo sem o saber, tem por horizonte a eternidade e por avalista Jesus Cristo e a sua Ressurreição. Essa esperança servirá também de mola para todas as outras legítimas esperanças humanas’ (Raniero Cantalamessa). ”[9]
“Toda a ação séria e reta do homem é esperança em ato. É-o antes de tudo no sentido de que assim procuramos concretizar as nossas esperanças menores ou maiores: resolver este ou aquele assunto que é importante, para prosseguir na caminhada da vida; com o nosso empenho contribuir a fim de que o mundo se torne um pouco mais luminoso e humano, e assim se abram também as portas para o futuro. Mas o esforço quotidiano pela continuação da nossa vida e pelo futuro da comunidade cansa-nos ou transforma-se em fanatismo, se não nos ilumina a luz daquela grande esperança que não pode ser destruída sequer pelos pequenos fracassos e pela falência em vicissitudes de alcance histórico. Se não podemos esperar mais do que é realmente alcançável de cada vez e de quanto nos seja possível oferecerem as autoridades políticas e econômicas, a nossa vida arrisca-se a ficar bem depressa sem esperança. É importante saber: eu posso sempre continuar a esperar, ainda que pela minha vida ou pelo momento histórico que estou a viver aparentemente não tenha mais qualquer motivo para esperar. Só a grande esperança-certeza de que, não obstante todos os fracassos, a minha vida pessoal e a história no seu conjunto estão conservadas no poder indestrutível do Amor e, graças a isso e por isso, possuem sentido e importância, só uma tal esperança pode, naquele caso, dar ainda a coragem de agir e de continuar. Certamente, não podemos ‘construir’ o Reino de Deus com as nossas forças; o que construímos permanece sempre reino do homem com todos os limites próprios da natureza humana. O reino de Deus é um dom, e por isso mesmo é grande e belo, constituindo a resposta à esperança. Nem podemos, para usar a terminologia clássica, ‘merecer’ o céu com as nossas obras. Este é sempre mais do que aquilo que merecemos, tal como o ser amados nunca é algo ‘merecido’, mas um dom. Porém, com toda a nossa consciência da ‘mais valia’ do céu, permanece igualmente verdade que o nosso agir não é indiferente diante de Deus e, portanto, também não o é para o desenrolar da história. Podemos abrir-nos nós mesmos e o mundo ao ingresso de Deus: da verdade, do amor e do bem. É o que fizeram os santos que, como ‘colaboradores de Deus’ contribuíram para a salvação do mundo (cf. 1Cor 3,9; 1Ts 3,2). Temos a possibilidade de livrar a nossa vida e o mundo dos venenos e contaminações que poderiam destruir o presente e o futuro. Podemos descobrir e manter limpas as fontes da criação e assim, juntamente com a criação que nos precede como dom recebido, fazer o que é justo conforme as suas intrínsecas exigências e a sua finalidade. Isto conserva um sentido, mesmo quando, aparentemente, não temos sucesso ou parecemos impotentes face à hegemonia de forças hostis. Assim, por um lado, da nossa ação nasce esperança para nós e para os outros; mas, ao mesmo tempo, é a grande esperança apoiada nas promessas de Deus que, tanto nos momentos bons como nos maus, nos dá coragem e orienta o nosso agir.”[10]
“Um dos maiores problemas especulativos da teologia é resolvido, na vida cristã prática, pela virtude da esperança. O mistério do livre arbítrio e da graça, da predestinação e da cooperação com Deus, é resolvido na esperança, que efetivamente coordena as duas coisas nas suas relações uma com a outra. Aquele que espera em Deus não sabe que é predestinado ao Céu. Mas, se ele persevera em sua esperança e faz continuamente os atos de vontade inspirados pela Graça divina, estará entre os predestinados: porque este é o objeto da esperança, e ‘a esperança não confunde’ (Rm 5,5). Cada ato de esperança é ato seu, pertence-lhe, mas é também um dom de Deus. E a essência mesma da esperança é esperar, livremente, como dádivas gratuitas de Deus, todas as graças necessárias à salvação. O livre arbítrio que resolve esperar estes dons reconhece implicitamente que o seu ato de esperança é também dom de Deus. E, no entanto, vê ele, igualmente, que, se não quisesse esperar, não se deixaria mover por Deus. A esperança é a aliança de duas liberdades, a humana e a divina, na aceitação de um amor que é, simultaneamente, promessa e já início de realização.” [11]
“O futuro de Deus é absolutamente imprevisível, porque é o futuro absoluto, do qual o homem não pode dispor. Por isso, a esperança, antes de tudo, põe o homem em atitude de espera, o que não significa inércia ou falta de compromisso, porque o Deus que virá é o Deus que já veio, que já remiu o mundo e a história humana. Por isso, o homem deve aceitar o risco de sua liberdade, assumindo a responsabilidade histórica que lhe compete no horizonte da dependência transcendental de Deus. A esperança é aceitação deste risco, sabendo que as obras realizadas no mundo não se perderão na caducidade da morte, mas passarão com o homem para a nova vida. Com sua ação, o cristão dispõe-se e dispõe o mundo a receber a graça da salvação futura. Prepara e antecipa a manifestação definitiva da glória de Deus em Cristo. O futuro da esperança cristã não é o horizonte vazio de esperar indefinido, mas a plenitude real do homem em todas as dimensões fundamentais de sua existência: em sua abertura ao absoluto, que será saciada com a visão de Deus; na comunhão interpessoal, que será consumada e expressa mediante a participação de todos na glória de Cristo na relação com o mundo e com a história, que não será destruída, mas assumida na nova existência da humanidade.
Sem dúvida alguma, olhando para o futuro absoluto, a esperança relativiza, na perspectiva do provisório, todas as metas alcançadas pelo homem na história, revelando-lhe sua dimensão de penúltimo. Não pode declarar-se satisfeita com nenhuma destas metas, mas vai sempre prosseguindo para frente, buscando o novo e o melhor em estado constante de êxodo para o cumprimento futuro da promessa. Por este motivo, assume atitude crítica de vigilância em face da ambivalência do progresso, mas ao mesmo tempo aceita com confiança as esperanças humanas, orientando-as para o novo e o último. A vocação cristã é vocação para um amor criativo, que deve ser vivido concretamente no seio da realidade histórico-social tal como se apresenta. A esperança estimula o homem a dar-se, ao mesmo tempo que lhe permite aceitar sempre novas possibilidades do futuro que espera.  Sobretudo, porém, alimenta no homem o sentido da contemplação e da gratidão por tudo que recebeu. ‘A consciência orante está à espera e sabe que o que espera não pode vir de si mesma, mas deve vir de Deus. Portanto, não se caracteriza unicamente por esperar, mas também, na espera, pelo reconhecimento do dom, que é o próprio Deus e tudo o que vem de Deus’ (M. Nédoncelle).
A própria práxis a que a esperança abre caminho para o ser humano deve assumir a dimensão de oração. ‘Só podemos aproximar-nos de Deus quando, para além de todos os nossos problemas, fica em nós espaço livre para o que sua vontade tem de inesperado; quando todos os programas, todas as previsões e cálculos são movimentados e mantidos suspensos pelo que sempre há de maior em seu chamado dirigido a nós. Tão somente com esta disponibilidade de absoluta resolução no sentido de obedecer antes de tudo, é que o cristão pode reivindicar para si a palavra 'amor'; para sua vida e para sua ação. Do contrário, sua atitude e seu compromisso não superarão o nível de um compromisso humano médio que, se observarmos o que a experiência nos ensina, nos mostrará que frequentemente rende muito mais e está disposto a maiores sacrifícios que o de alguns cristãos’ (H.U.von Balthasar) .
Viver sob a soberania de Deus, manifestada na ressurreição de Cristo, significa viver como emigrantes prontos para a partida. Por isso, Cristo estabelece e inaugura a hora da missão. A esperança se transforma em atitude ativa, alimentada pela coragem e pela fortaleza de ânimo, a qual fomenta e estimula a resistência no sofrimento e a tensão na luta. Desta forma, o cristão é chamado a viver seu compromisso com o mundo não para continuar sendo o que é, mas para transformar-se continuamente e chegar a ser o que lhe foi prometido que será. ”[12]

Pecados contrários à virtude da Esperança: Desespero e Presunção

À virtude da esperança opõem-se, por defeito, o desespero e, por excesso, a presunção.
O desespero é o ato ou efeito de desesperar-se; desesperação; estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento; estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança; estado de desânimo, de sofrimento a que se sujeita uma pessoa devido a um excesso de dificuldades e de aflições; aflição, angústia, exasperação; o que causa desespero; aquilo que, pela sua dificuldade e por uma exigência de perfeccionismo, causa frustração ou desânimo; irritação profunda; cólera, furor, raiva, ficar furioso; encolerizar-se.”[13]  “Pelo desespero, a pessoa humana deixa de esperar de Deus sua salvação pessoal, os auxílios para alcançá-la ou o perdão de seus pecados. O desespero opõe-se à bondade de Deus, à sua justiça porque o Senhor é fiel as suas promessas e à sua misericórdia. ”[14] “O desespero é o amor de si mesmo em sua forma extrema e absoluta. Chega alguém a isso quando volta deliberadamente as costas a qualquer ajuda alheia para desfrutar o luxo amargo de se saber perdido. Em todo homem se esconde alguma raiz de desespero, porque em todo homem há o orgulho que vegeta e do qual brotam os cardos e as flores mal cheirosas da autocomiseração, logo que sentimos falhar nossos próprios recursos. Mas como nossos próprios recursos inevitavelmente falham quando deles necessitamos, somos todos mais ou menos sujeitos ao desânimo e ao desespero. O desespero é o desenvolvimento máximo de um orgulho tão grande e obstinado, que escolhe a desgraça total da danação, de preferência a aceitar a felicidade das mãos de Deus e, assim, reconhecer que ele nos é superior e que não somos capazes de realizar nosso destino sozinhos. ”[15]
“Há duas espécies de presunção. Ou o homem presume de suas capacidades, esperando poder salvar-se sem a ajuda do alto, ou então presume da onipotência ou da misericórdia de Deus, esperando obter seu perdão sem conversão e a glória sem mérito. ”[16]

Santa Clara e a virtude da Esperança

“Que troca maior e mais louvável: deixar as coisas temporais pelas eternas, merecer os bens celestes em vez dos terrestres, receber cem por um e possuir a vida (cf. Mt 19,29) feliz para sempre!”[17]

“Se você sofrer com ele, com ele vai reinar; se chorar com ele, com ele vai se alegrar; se morrer com ele (cfr. 2Tm 2,11.12; Rm 8,17) na cruz da tribulação vai ter com ele mansão celeste nos esplendores dos santos (Sl 109,3). E seu nome, glorioso entre os homens, será inscrito no livro da vida (Sl 109,3). Assim, em vez dos bens terrenos e transitórios, você vai ter parte na glória do reino celeste eternamente, para sempre, vai ter bens eternos em vez dos perecedores, e viverá pelos séculos dos séculos.”[18]

“Ponha a mente no espelho da eternidade, coloque a alma no esplendor da glória (cf. Hb 1,3).” [19]

“Feliz, decerto, é você, que pode participar desse banquete sagrado para unir-se com todas as fibras do coração àquele cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar, cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente, cujo perfume dará vida aos mortos, cuja visão gloriosa tornará felizes todos os cidadãos da celeste Jerusalém, pois é o esplendor da glória (Hb 1,3) eterna, o brilho da luz perpétua e o espelho sem mancha (Sb 7,26).” [20]

“Por isso, se vivermos de acordo com essa forma, daremos aos outros um nobre exemplo (cf. 2Mc 6,28.31) e vamos conquistar o prêmio da bem-aventurança eterna com um trabalho muito breve.”[21]

Fontes Históricas

“E no fim de sua vida, tendo chamado todas as suas Irmãs, recomendou-lhes cuidadosamente o Privilégio da Pobreza. E como desejava enormemente que a regra da Ordem fosse bulada, mesmo que tivesse que pôr essa bula na boca em um dia e morrer no dia seguinte, assim lhe aconteceu, pois veio um frade com a carta bulada, que ela tomou reverentemente e, embora estivesse à morte, colocou ela mesma aquela bula na boca para beijá-la. E depois, no dia seguinte, a predita dona Clara passou desta vida para o Senhor, verdadeiramente Clara sem mácula, sem escuridão do pecado, foi para a claridade da luz eterna. Do que não têm dúvida nem a testemunha nem as Irmãs e nenhum dos outros todos que conhecem a sua santidade.”[22]

“A testemunha também disse que, na noite da sexta para o sábado, três dias antes da morte da senhora Santa Clara, de feliz memória, estava sentada com outras Irmãs junto ao leito da senhora, em lágrimas pelo trânsito de uma mãe de tal valor. E, sem que nenhuma pessoa lhe falasse, a senhora começou a encomendar sua alma, dizendo assim: ‘Vai em paz, porque você vai ter boa escolta; pois aquele que a criou, previu a sua santificação. E, depois que a criou, infundiu em você o Espírito Santo. E depois a guardou como uma mãe cuida do seu filho pequenino’. Uma Irmã, Irmã Anastácia, perguntou com quem ela estava falando, e a quem dirigia aquelas palavras, e a senhora respondeu: ‘Falo com a minha alma bendita’.” [23]

“O pai Francisco exortava-a a desprezar o mundo, mostrando com vivas expressões que a esperança do século é seca e sua aparência enganadora. Instilou em seu ouvido o doce esponsal com Cristo, persuadindo-a a reservar a jóia da pureza virginal para o bem-aventurado Esposo a quem o amor fez homem.” [24]

“Seu ânimo não esmoreceu nem seu fervor esfriou, mesmo sofrendo obstáculos por muitos dias no caminho do Senhor e com a oposição dos familiares a seu propósito de santidade. Entre insultos e ódios, temperou sua decisão na esperança, até que os parentes, derrotados, se acalmaram.” [25]

“A virgem colocou para si mesma o resumo de toda fé e esperança só na virtude da cruz, cujos méritos estão anotados na Sagrada Página e são figurados pelos perfumes fechados.” [26]

“Por quarenta anos esta virgem correu no estádio da pobreza buscando alcançar o prêmio (cf. 1Cor 9,24) da vida, por cuja esperança achava leves as coisas ásperas, tendo-se submetido espontaneamente a muitos sacrifícios, tendo macerado o corpo com várias mortificações para que seu terreno, rico pelo germe de muitos méritos, sempre cultivado com novas culturas e rasgado pelo duro arado, fosse mais gratificado por novas colheitas.” [27]



[1] Catecismo da Igreja Católica 1817-1821.
[2] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 337-338.
[3] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 333.
[4] Pequena Enciclopédia de moral e Civismo.
[5] MERTON, Thomas. Homem algum é uma ilha; tradução de D. Timóteo Amoroso, OSB. 6.ed. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1976.
[6] Papa Bento XVI, Spe Salvi, 2007 , n° 32-34.
[7] MERTON, Thomas. Homem algum é uma ilha; tradução de D. Timóteo Amoroso, OSB. 6.ed. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1976.

[8] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 335-339.
[9] Bibliografia consultada: Cantalamessa, Raniero. Preparai os Caminhos do Senhor. São Paulo: Loyola.
[10] Papa Bento XVI, Spe Salvi, 2007, n° 35.
[11] MERTON, Thomas. Homem algum é uma ilha; tradução de D. Timóteo Amoroso, OSB. 6.ed. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1976.
[12] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 339-340. 
[13] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva, 2009.
[14] Catecismo da Igreja Católica 2091.
[15] MERTON, Thomas. Novas Sementes de Contemplação. Petrópolis-RJ, 1963, p.184.
[16] Catecismo da Igreja Católica 2092.
[17] 1CtIn 30.
[18] 2CtIn  21-23.
[19] 3CtIn 12.
[20] 4CtIn 9-14.
[21] TSC 23.
[22] ProcC 4, 32.
[23] Idem 11, 3.
[24] LSC 5.
[25] Idem  9.
[26] LgVs 28.
[27] Idem 30.

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