27 de ago. de 2010

Virtudes Teologais



Virtudes Teologais

“As virtudes humanas se fundam nas virtudes teologais que adaptam as faculdades do homem para que possa participar da natureza divina. Pois as virtudes teologais se referem diretamente a Deus. Dispõem os cristãos a viver em relação com a Santíssima Trindade e têm a Deus Uno e Trino por origem, motivo e objeto. As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão. Informam e vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para torná-los capazes de agir como seus filhos e merecer a vida eterna. São o penhor da presença e da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. Há três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade.” (Catecismo da Igreja Católica 1812-1813)
A virtude é uma disposição habitual e firme de fazer o bem. “O fim de uma vida virtuosa consiste em se tornar semelhante a Deus”, como escreveu Gregório de Nissa. Há virtudes sobrenaturais e virtudes humanas. Na Igreja Católica, a partir das Escrituras, e por antiga tradição patrística e mística, a teologia cristã distingue as virtudes sobrenaturais ou infusas, que incluem as virtudes teologais; e as virtudes humanas, que incluem as virtudes morais e todas as demais, que se fundam nas virtudes teologais. A virtude sobrenatural é uma qualidade que Deus mesmo infunde na alma, pela qual se tem propensão, facilidade e prontidão para conhecer e praticar o bem, em ordem da vida eterna. As virtudes teologais são sobrenaturais e têm por origem, motivo e objeto imediato o próprio Deus. Os cristãos acreditam que elas são infundidas na pessoa humana com a graça santificante, e que elas as tornam capazes de viver em relação íntima com a Santíssima Trindade. Elas fundamentam e animam o agir moral do cristão, vivificando e fundamentando todas as virtudes humanas. Para os cristãos, as virtudes teologais são o penhor da presença e da ação do Espírito Santo nas faculdades e potencialidades do ser humano.
As Virtudes Teologais, como o nome indica, são as virtudes sobrenaturais que nos fazem agir bem em relação a Deus. Elas são essencialmente sobrenaturais, pois, além de serem dons divinos, dirigem-se a Deus nos seus atos. E isso deve nos levar a agradecer muito a Deus. Além de nos ajudar a praticar os atos de virtude necessários para o nosso cotidiano, Deus nos infunde na alma virtudes tão especiais que nos levam à sua intimidade, nos devolvem a imagem e semelhança divinas que perdemos pelo pecado e nos levam a viver em profunda intimidade de amor e de filialidade com Ele. Segundo o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, salientamos novamente, por ser uma questão doutrinal importantíssima, que as virtudes teologais têm como origem, motivo e objeto imediato o próprio Deus. São infundidas no homem com a graça santificante, tornam-nos capazes de viver em relação com a Trindade e fundamentam e animam o agir moral do cristão, vivificando as virtudes humanas. Elas são o penhor da presença e da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. O fundamento das três virtudes teologais, fé, esperança e caridade, encontra-se no texto bíblico de 1Cor 13,13: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. Outro texto bíblico, Gálatas 5,6 cita que a Fé opera pela caridade (ou pelo amor). No Antigo Testamento muitas citações já preparam o terreno dessa compreensão fundamental das virtudes teologais na vida cristã.
Desde a Antiguidade cristã até os nossos dias atuais, com base nas Escrituras, as virtudes teologais foram aprofundadas pelos Padres da Igreja e pelos místicos de forma impressionante e profunda, sendo que eles também reconheceram nas Escrituras as quatro virtudes cardeais classificadas ainda pelos filósofos pré-cristãos em seus escritos; estudaram e elucidaram, classificando de diferentes formas também todas as demais virtudes humanas e morais cristãs, que estão diretamente ligadas e fundamentadas nessas principais virtudes teologais, fé, esperança e caridade.

Etimologia

Virtude, do latim virtus, virtute, virtutis, de vir, viril, força, vigor; do grego, ρετή, arèté, arete, força; designa toda excelência própria de uma coisa, em todas as ordens de realidade e em todos os domínios. Segundo os dicionários, uma disposição constante, habitual ou firme da alma que levam o homem a praticar o bem ou a evitar o mal, equivalendo a uma força moral. Virtude é o conjunto de todas ou qualquer das boas qualidades morais; uma ação virtuosa; austeridade no viver; qualidade própria para produzir certos e determinados resultados; propriedade, eficácia; validade, força, vigor. A virtude caracteriza-se pela héxis ou habitus, que significa uma disposição para viver a virtude: é definida como uma maneira de ser adquirida. O latim traduziu héxis por habitus. A virtude só será héxis ou habitus se for retirado desse termo o caráter de disposição permanente e costumeira, mecânica, automática.  Outra característica da virtude e a mediedade (mésotès), estar no meio, no equilíbrio; termo que remete ao termo médio de um silogismo e também à média ou medida, ou ao meio termo, que caracteriza a virtude.
Teologal, do grego, theós, Deus; e logos, amor racional, sabedoria, conhecimento. Provem de Deus: portanto, são recebidas como um Dom de Deus. Na ética religiosa a Fé, a Esperança e a Caridade são chamadas teologais, porque não são elas produtos de um hábito, pois não as adquirimos através de seu próprio esforço. Não são o produto de uma prática, porque pode o homem praticar a caridade sem tê-la no coração; pode o homem exibir uma crença firme, sem alentá-la em seu âmago; pode o homem tentar revelar aos outros que é animado pela esperança, sem ressoar ela em sua consciência.

As Três Virtudes Teologais

As virtudes teologais são sobrenaturais ou infusas, e são três, fé, esperança e caridade:


Através dela, os cristãos creem em Deus, nas suas verdades reveladas e nos ensinamentos da Igreja, visto que Deus é a própria Verdade. Pela fé, “o homem entrega-se a Deus livremente. Por isso, o crente procura conhecer e fazer a vontade de Deus, porque “a fé opera pela caridade” (Gl 5,6). A Fé é o assentimento do intelecto que crê, com constância e certeza, em alguma coisa. Ninguém gesta dentro de si a Fé; ou a tem, ou não. Ligadas diretamente à fé, estão as virtudes da crença, da confiança, da fidelidade, da firmeza, da fortaleza, da verdade, da adoração, da reverência, da consolação, da oração, da quietude e da unção interior, da ascese espiritual. Os dons do espírito Santo, Temor de Deus, Ciência, Sabedoria e Entendimento, mais que os demais, estão também diretamente ligados á virtude teologal da fé. Pecados ou vícios contrários à fé seriam a descrença, a desconfiança, a infidelidade, a irreverência, a blasfêmia, o ateísmo, a negação de Deus, a idolatria, a mentira, o desespero, a desolação, a inquietude e a agitação espiritual, a tibieza, o desprezo e a ignorância de Deus e da fé.
“A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que nos disse e revelou, e que a Santa Igreja nos propõe para crer, porque Ele é a própria verdade. Pela fé, “o homem livremente se entrega todo a Deus. Por isso o fiel procura conhecer e fazer a vontade de Deus. “O justo viverá da fé” (Rm 1,17). A fé viva “age pela caridade” (Gl 5,6). O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela. Mas “é morta a fé sem obras” (Tg 2,26): privada da esperança e do amor, a fé não une plenamente o fiel a Cristo e não faz dele um membro vivo de seu Corpo. O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela viver, mas também professá-la, testemunhá-la com firmeza e difundi-la: “Todos devem estar prontos a confessar Cristo perante os homens e segui-lo no caminho da Cruz, entre perseguições que nunca faltam à Igreja. O serviço e o testemunho da fé são requisitos da salvação: “Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu Pai que está nos céus” (Mt 10,32-33). (Catecismo da Igreja Católica 1814—1816)

Esperança

Por meio dela, os crentes, por ajuda da graça do Espírito Santo, esperam a vida eterna e o Reino de Deus, colocando a sua confiança perseverante nas promessas de Jesus Cristo. A Esperança não é o produto de nossa vontade, mas de uma sobrenaturalidade e espontaneidade, cujas raízes nos escapam, porque não é ela genuinamente uma manifestação da pessoa humana, mas algo que se manifesta por nós, porque não encontramos na estrutura de nossa vida biológica, nem da nossa vida intelectual, uma razão que a explique. A Esperança é a expectação de algo de superior e perfeito. A vivência de todas as demais virtudes é iluminada sempre pela fé, pois o caminho das promessas plenamente realizadas é feito cada dia e cada passo fundamentado na esperança. O pecado contrário à esperança é o desespero, quando alguém não consegue ver a esperança nas promessas divinas, e a sua vida penetra num abismo sem sentido e sem rumo.
“A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. “Continuemos a afirmar nossa esperança, porque é fiel quem fez a promessa” (Hb 10,23). “Este Espírito que ele ricamente derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados por sua graça e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna” (Tt 3,6-7). A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no coração de todo homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens; purifica-as, para ordená-las ao Reino dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O impulso da esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade. A esperança cristã retoma e realiza a esperança do povo eleito, que tem sua origem e modelo na esperança de Abraão, cumulada em Isaac, das promessas de Deus, e purificada pela prova do sacrifício. “Ele, contra toda a esperança, acreditou na esperança de tornar-se pai de muitos povos” (Rm 4,18). A esperança cristã se manifesta desde o início da pregação de Jesus no anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu, como para a nova Terra prometida; traçam o caminho por meio das provações reservadas aos discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos de Jesus Cristo e de sua Paixão, Deus nos guarda na “esperança que não decepciona” (Rm 5,5). A esperança é a “âncora da alma segura e firme, penetrando... onde Jesus entrou por nós, como precursor” (Hb 6,19-20). Também é uma arma que nos protege no combate da salvação: “Revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da esperança da salvação” (lTs 5,8) Ela nos traz alegria mesmo na provação: “alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação” (Rm 12,12). Ela se exprime e se alimenta na oração, especialmente no Pai-Nosso resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar. Podemos esperar, pois, a glória do céu prometida por Deus aos que o amam e fazem sua vontade. Em qualquer circunstância, cada qual deve esperar, com a graça de Deus, “perseverar até o fim” e alcançar a alegria do céu como recompensa eterna de Deus pelas boas obras praticadas com graça de Cristo. Na esperança, a Igreja pede que “todos os homens sejam salvos” (1Tm 2,4). Ela aspira a estar unida a Cristo, seu Esposo, na glória do céu. Espera, ó minha alma, espera. Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente, tudo passa com rapidez, ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo, e longo um tempo bem curto. Considera que, quanto mais pelejares, mais provarás o amor que tens a teu Deus; e mais te alegrarás um dia com teu Bem-Amado numa felicidade e num êxtase que não poderão jamais terminar.” (Catecismo da Igreja Católica 1817-1821)

Caridade ou Amor

Por meio dela, “amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus. Jesus faz dela o mandamento novo, a plenitude da lei”. Para os crentes, a caridade é “o vínculo da perfeição” (Cl 3,14), logo a mais importante e o fundamento das virtudes. O Amor é também visto como uma “dádiva de si mesmo” e “o oposto de usar”. Paulo disse que, de todas as virtudes, “o maior destas é o amor” (ou caridade). A Caridade é a mãe de todas as virtudes como dizem os antigos, e diziam-no com razão: é a raiz de todas as virtudes, porque ela é a bondade suprema para consigo mesmo, para com os outros, para com o Ser Infinito. A caridade supera nossa natureza, porque graças a ela nós avançamos além de nós mesmos, além das nossas exigências biológicas. Ligadas diretamente à caridade, estão virtudes como: misericórdia, compaixão, piedade, perdão, bondade, humildade, benignidade, docilidade, benevolência, humildade, sinceridade, paz, fraternidade, amizade, respeito, transparência, lealdade, solicitude, generosidade, gentileza, cortesia, compreensão, paciência, unidade, abertura, estima, apreciação, aceitação, consideração, valorização, testemunho. Pecados ou vícios contrários à caridade seriam inveja, intransigência, intolerância, impiedade, punição, vingança, agressão, opressão, desprezo, menosprezo, grosseria, rudeza, rejeição, incompreensão, inimizade, ofensa, maledicência, arrogância, detração, violência, remorso, homicídio, ruindade, maldade, maleficência, malevolência, dureza de coração, resistência, desrespeito, lisonja, adulação, melindre, falsidade, egoísmo, divisão, dissidência, aversão, fechamento, escândalo.
“A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas, por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus. Jesus fez da caridade o novo mandamento. Amando os seus “até o fim” (Jo 13,1), manifesta o amor do Pai que Ele recebe. Amando-se uns aos outros, os discípulos imitam o amor de Jesus que eles também recebem. Por isso diz Jesus: “Assim como o Pai me amou, também eu vos amei. Permanecei em meu amor” (Jo 15,9). E ainda: “Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). Fruto do Espírito e da plenitude da lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus e de seu Cristo: “Permanecei em meu amor. Se observais os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (Jo 15,9-10). Cristo morreu por nosso amor quando éramos ainda “inimigos” (Rm 5,10). O Senhor exige que amemos, como Ele, mesmo os nossos inimigos, que nos tornemos o próximo do mais afastado, que amemos como Ele as crianças e os pobres. O apóstolo São Paulo traçou um quadro incomparável da caridade: “A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (l Cor 13,4-7). Diz ainda o apóstolo: “Se não tivesse a caridade, nada seria...”. E tudo o que é privilégio, serviço e mesmo virtude... “se não tivesse a caridade, isso nada me adiantaria”. A caridade é superior a todas as virtudes. É a primeira das virtudes teologais “Permanecem fé, esperança, caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade” (1Cor 13,13). O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o “vinculo da perfeição” (Cl 3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é fonte e termo de sua prática cristã. A caridade assegura purifica nossa capacidade humana de amar, elevando-a à feição sobrenatural do amor divino. A prática da vida moral, animada pela caridade, dá ao cristão a liberdade espiritual dos filhos de Deus. Já não está diante de Deus como escravo em temor servil, nem como mercenário à espera do pagamento, mas como um filho que responde ao amor daquele “que nos amou primeiro” (1Jo 4,19): Ou nos afastamos do mal por medo do castigo, estando assim na posição do escravo; ou buscamos o atrativo da recompensa, assemelhando-nos aos mercenários; ou é pelo bem em si mesmo e por amor de quem manda que nós obedecemos... e estaremos então na posição de filhos. A caridade tem como frutos a alegria, a paz e a misericórdia exige a beneficência e a correção fraterna; é benevolência; suscita a reciprocidade; é desinteressada e liberal; é amizade e comunhão: A finalidade de todas as nossas obras é o amor. Este é o fim, é para alcançá-lo que corremos, é para ele que corremos; uma vez chegados, é nele que repousaremos.” (Catecismo da Igreja Católica 1822-1829)

Fé, Virtude Teologal


 

Fé, Virtude Teologal

O Catecismo da Igreja Católica define a fé como sendo “a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo que Ele nos disse e revelou, porque Ele é a própria verdade, e naquilo que a Santa Igreja nos propõe para crer. Pela fé, ‘o homem livremente se entrega todo a Deus. Por isso, o fiel procura conhecer e fazer a vontade de Deus’. ‘O justo viverá da fé’ (Rm 1,17). A fé viva ‘age pela caridade’ (Gl 5,6). A fé é a resposta do homem a Deus que se revela e a ele se doa, trazendo ao mesmo tempo uma luz superabundante ao homem em busca do sentido último de sua vida.”[1] 
 No Antigo Testamento, crer é a atitude característica do homem perante Deus. Ela implica numa adesão da inteligência em reconhecer a Deus em todas as suas manifestações de amor e suas exigências para com o seu povo. A atitude de Abraão é o modelo da verdadeira fé que salva (Gn 3,6): ele gastou a sua vida, confiando na Palavra de Deus (Gn 12,1-2; 13,14-18; Ez 33,23-24; Sl 44,19-21; Rm 4,1s; Hb 11,8-12).
No Novo Testamento, acreditar é prestar fé à Palavra de Deus em Cristo (At 24,14 Lc 24,25-27); é obedecer a Deus (Hb 11,1s; Rm 1,5; 10,16s; Rm 15,18; 16,19; 16,26; 2Cor 5,5s); é confiar nele (Mc 11,22-24; At 3,16; 1Cor 13,2); é converter-se, aceitando o Evangelho (1Tg 1,8-9; Rm 10,17; 2Cor 5,18s; At 3,12-16). Jesus exige fé em sua pessoa (Jo 6,29-40). O coração da fé é a obra salvífica de Cristo, sobretudo a sua morte e ressurreição (1Cor 15,1-20 Rm 4,24 Rm 10,9). Paulo coloca a fé em Cristo como indispensável para a salvação (Rm 1,16). Mas quando opõe fé a obras, fala das obras da Lei mosaica e não dos frutos da fé cristã (Rm 4,13-25; Ef 2,8-10; Mt 7,16-27; Jo 15,1-3; 15,6-8; Tg 2,16-26). Alguns textos de primitivas profissões de fé: Lc 24,34; 1Cor 15,3-5; 1Tg 4,4; 2Cor 5,15; Rm 4,25; 6,4; 6,9; Fl 2,6-11. A Igreja é a depositária da fé: Mt 16,16-19; 18,17s; Mt 28,20; Mc 16,15; Lc 22,31s; Jo 21,15-17; At 1,24s; At 15,7s; At 20,28; 1Cor 1,10; 1Tm 6,20s; 2Tm 4,2-5; Tt 3,10s; 2Jo 1,10.
A profissão: Eu creio! Esta é a fé da Igreja, professada pessoalmente por todo crente, principalmente pelo batismo. Nós cremos! Esta é a fé da Igreja confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, mais comumente, pela assembleia litúrgica dos crentes. Eu creio! É também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus com sua fé e que nos ensina a dizer: ‘eu creio’, ‘nós cremos’!
É antes de tudo a Igreja que crê e que desta forma carrega, alimenta e sustenta minha fé. É antes de tudo a Igreja que, em toda parte, confessa o Senhor (“Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia: A vós por toda a terra proclama a Santa Igreja”, assim cantamos no Te Deum), e com ela e nela também nós somos impulsionados e levados a confessar: ‘Eu creio’, ‘nos cremos’. É por intermédio da Igreja que recebemos a fé e a vida nova no Cristo pelo batismo. No ‘Ritual Romano’, o ministro do batismo pergunta ao catecúmeno: ‘Que pedes à Igreja de Deus?’ E a resposta: ‘A fé.’ ‘E que te dá a fé?’ ‘A vida eterna.’ A salvação vem exclusivamente de Deus, mas, por recebermos a vida de fé por meio da Igreja, esta última é nossa mãe: ‘Nós cremos na Igreja como a mãe de nosso novo nascimento, e não como se ela fosse a autora de nossa salvação’. Por ser nossa mãe, a Igreja é também a educadora de nossa fé.[2]
“A conexão da fé cristã com a esperança e com o amor pode ser evidenciada partindo de dois pontos de vista. Deus, quando revela o Cristo e se revela nele, une no mesmo ato de amor a promessa e a realização A palavra que manifesta seus desígnios salvíficos une o desejo de que seja aceita, a promessa e o amor. A correspondente resposta de fé deve ser ao mesmo tempo adesão à sua verdade, esperança de tudo o que promete e amor à pessoa que se comunica a nós. Isto, quanto ao primeiro ponto de vista. Segundo: para dar resposta de fé é indispensável adotar atitude de confiança na pessoa que nos dá testemunho da verdade revelada. A confiança implica as disposições da esperança e do amor; portanto, espera-se nesta mesma pessoa e ama-se esta mesma pessoa, Assim, pois, na fé cristã se harmonizam necessariamente estas forças do crente que consistem em esperar e amar. Por meio delas a fé abrange o homem inteiro e o compromete a dar resposta total; elas determinam uma espiritualidade especial, já que entram em jogo também a afetividade, a sensibilidade e o sentimento do crente.” [3]

Etimologia

A palavra fé deriva do grego πίστις, pistis, pisteuein, pistia. “O verbo pisteuein em grego clássico significa confiar, mostrar confiança, aceitar como verdadeiro. O substantivo pistis exprime certeza, confiança e crença, como pistis theon, significa crença nos deuses, isto é, crença de que os deuses existem.”[4] Outra origem desta palavra encontra-se no latim fides, que significa crença, fidelidade. “Os significados comuns aparecem sempre no Novo Testamento; o sentido especificamente cristão do termo é um desenvolvimento do uso clássico e do conceito de fé no Antigo Testamento. O termo hebraico que se acha na base dos termos do Novo Testamento pistis e pisteuein é ‘aman. Em essência essa palavra significa ser firme ou sólido, e daí fiel. O nifal do verbo significa ser digno de fé, donde, em relação a uma pessoa, estar certa ou ser de confiança, e em relação a uma coisa, ser verdadeira ou genuína. O hifil, ou forma causal do verbo, não significa simplesmente tornar firme ou certo, mas aceitar algo como neeman: firme, certo ou verdadeiro, digno de fé ou seguro. Assim, se aceita uma palavra ou informação como verdadeira. Os substantivos derivados desse verbo são emûnah, solidez ou firmeza (Ex 17,12) e ‘emet. O que é firme dá segurança (Is 33,6). “[5] “No décimo primeiro capítulo da Carta aos Hebreus, versículo 1, encontra-se, por assim dizer, certa definição da fé que entrelaça estreitamente esta virtude com a esperança. À volta da palavra central desta frase começou a gerar-se desde a Reforma, uma discussão entre os exegetas, mas que parece hoje encaminhar-se para uma interpretação comum. Por enquanto, deixo o termo em questão sem traduzir. A frase soa, pois, assim: ‘A fé é hypostasis das coisas que se esperam; prova das coisas que não se veem’. Para os Padres e para os teólogos da Idade Média era claro que a palavra grega hypostasis devia ser traduzida em latim pelo termo substantia. De fato, a tradução latina do texto, feita na Igreja antiga, diz: ‘Est autem fides sperandarum substantia rerum, argumentum non apparentium’: ‘a fé é a ‘substância’ das coisas que se esperam; a prova das coisas que não se veem’. Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, II-IIae, q. 4, a. 1, servindo-se da terminologia da tradição filosófica em que se encontra, explica: a fé é um ‘habitus’, ou seja, uma predisposição constante do espírito, em virtude do qual a vida eterna tem início em nós e a razão é levada a consentir naquilo que não vê. Deste modo, o conceito de ‘substância’ é modificado para significar que pela fé, de forma incoativa – poderíamos dizer ‘em gérmen’ e portanto, segundo a ‘substância’, já estão presentes em nós as coisas que se esperam: a totalidade, a vida verdadeira.”

Aspecto teológico-ascético

“A fé é um dom gratuito que Deus concede ao homem. Podemos perder este dom inestimável; São Paulo alerta Timóteo sobre isso: “Combate o bom combate, com fé e boa consciência; pois alguns, rejeitando a boa consciência, vieram a naufragar na fé” (1Tm 1,18-19). Para viver, crescer e perseverar até o fim na fé, devemos alimentá-la com a Palavra de Deus; devemos implorar ao Senhor que a aumente; ela deve ‘agir pela caridade’ (Gl 5,6), ser carregada pela esperança e estar enraizada na fé da Igreja.”[6] Jesus Cristo é o testemunho por excelência da ação de Deus na história humana. A fé autêntica é sempre resposta à palavra de Deus, e, por isso, se transmite dentro de contexto social. Jesus Cristo respeita esta lei. Escolherá apóstolos, formará discípulos, estabelecerá sua Igreja, seu rebanho, seu reino, e os encarregará de serem suas testemunhas, pregando em todo o mundo (Mc 16,15), batizando, conquistando todos para a mesma fé (Mt 28,19; Lc 24,48). Cristo estabelece o lugar em que o crente realiza por meio da fé o encontro pessoal com ele: encontro, confiança em sua pessoa, que é adesão e inserção em seu mistério de salvação.
O batismo-fé é um submergir-se, um ‘com-sepultar-se’, um enxertar-se na morte redentora de Cristo, um crucificar o homem velho, um morrer com Cristo para viver com ele e participar de sua ressurreição (Rm 6,3-9). Pela fé-batismo, o crente forma um corpo, o corpo de Cristo (1Cor 12,12.27); por meio do Espírito Santo, nele é infundida a caridade de Deus (Rm 5,5) e os dons que o Espírito Santo distribui como quer (1Cor 12,71 dentro deste corpo que ele forma em Cristo, sendo, uns em relação aos outros, membros do mesmo corpo (Rm 12,51, que é a Igreja (CI 1,24). Em resumo, o crente em Cristo realiza em si o plano salvífico de Deus, que age de modo que tudo redunde em bem para os seus eleitos, para todos os que chamou e predestinou ‘a serem conformes à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos’ (Rm 8,28-29).
Esta ‘conformação’ abrange tudo o que é e deve ser o crente cristão: sua vocação, sua eleição e sua glorificação (Rm 8,30). E isto já desde agora, se bem que não tenha sido ainda manifestado em sua plenitude, plenitude que será alcançada quando virmos a Deus ‘tal como é’(1Jo 3,2). O crente cristão deve ser consciente de que, por meio de sua fé e de tudo o que com ela Deus lhe concede, se converte em nova criatura, em homem novo (Ef 4,24), pedra viva da casa santa de Deus (1Pd 2,5), sacerdócio real, povo de sua conquista (1Pd 2,9) e, por isso, é parte viva e responsável, cada um em seu grau, pela Igreja de Cristo. Esta Igreja, com sua estrutura e com seus sacramentos, com a diversidade de seus membros e com a unidade de seu corpo constitui o povo de Deus (LG 9ss). Nela se encontra a conexão especial do fator que fundamenta a fé, Cristo Jesus, com sua transmissão (ou querigma) guiada pela intervenção especial do Espírito Santo. É importante, para a espiritualidade crente, observar que o acolhimento do querigma mediante a fé supõe intervenção particular de Deus em sua vida, por meio do Espírito Santo, e que a ação dele tende a configurar com Cristo. Aliás, na Igreja, a história humana se transforma em história da salvação, sem que esta se diferencie empiricamente da primeira ou se subtraia a todos os processos e à complexidade dos fatos históricos. Apesar do aspecto humano da Igreja, o Vaticano II pode afirmar que ela é ‘o, sinal erguido entre as nações’ (cf. Is 11,12), que atesta a seus filhos, que a fé por eles professada é fundamento solidíssimo (DS 3014); o que não dispensa que a Igreja tenha que purificar-se constantemente e prosseguir sem interrupção sua tarefa de conversão e de renovação (LG 8), tarefa que se compendia em crescer em justiça e amor, esforçando-se por ser esposa de Cristo, ‘sem mancha nem ruga, nem algo de parecido, porém santa e imaculada’, como ele a quer e a deseja (Ef 5,27).
Todos e cada um dos crentes têm que realizar este esforço, segundo seus próprios dons, seu grau e sua possibilidade. Quanto mais e melhor desempenhar este dever, tanto mais e melhor: a própria Igreja desempenhará sua missão: ser para todo crente cristão o lugar originário e sustentador de sua fé e convite constante para que o círculo de misericórdia divina, que ela representa no mundo, se amplie cada vez mais até acolher todas as nações da terra. Se a fé transforma o crente cristão na imagem do Filho, com tudo o que isto supõe de mudança na ordem ontológica, inclui também conversão de ordem moral. A conversão do crente, sua metanóia, é exigência inerente à sua própria fé e dela decorrente. A conversão interpela a liberdade humana, supõe mudança, aceita e livre, de estado anterior de desacordo, de desordem ou de pecado em relação a Deus, a si mesmo e ao próximo, para outro estado: o da reconciliação. Mas, para que esta conversão se realize como ação humana, a fé deve incluir: a) conhecimento especial da realidade e b) conexão com a esperança e com o amor que a tornem operante, c) inclusive dentro da diferença e d) na compenetração destas três virtudes.
Podemos dizer, pois, que a fé supõe e representa uma conversão, que consiste em orientar a vida espiritual do crente para o mistério real contido em Cristo e, por meio dele, em Deus, excluindo a ignorância passada (1Pd 1,14). Conversão que requer não viver em pecado (Rm 6,21), libertar-se de sua escravidão e de sua tirania (Rm 6,16) para produzir frutos desta santidade que floresce na vida eterna. Por seu lado, a conversão exige a perseverança. Com razão são Paulo exorta a caminhar no Espírito, se vivemos no Espírito (cf. GI 5,25). Contudo, pode ocorrer autêntica conversão e faltar perseverança no caminho empreendido. A perseverança, com efeito, requer que se superem muitas dificuldades que podem ser obstáculos no caminho do crente. Estes obstáculos podem ser de ordem muito diferente e provir de múltiplas causas, cuja oposição à perseverança pode compendiar-se numa palavra: suscitam a dúvida no crente.
  Apontar o modo prático e concreto de superar a dúvida foi tarefa de diversos tratados de espiritualidade: pedagogia e pastoral da fé, discernimento de espíritos e oração. De qualquer forma, o crente tem de saber que a dúvida contraria sua adesão à pessoa de Cristo sob o aspecto específico da verdade e da realidade, que não é componente da fé e que não lhe confere maior flexibilidade ou compreensão, mas que constitui perigo que lhe poderia arrebatar o tesouro do dom recebido, que é carregado, como diz Paulo a propósito de seu apostolado, num vaso frágil de argila (2Cor 4,7), exposto continuamente a milhares de investidas e ameaças (1Pd 5,8-9). Superar a dúvida é consolidar a própria perseverança, o progresso da própria vida espiritual. O crente cristão que pertence à Igreja católica encontra-se em posição privilegiada; jamais terá causa justificada para abandonar sua fé cristã (DS 3014, 3036). Este privilégio, porém, implica em que o crente adapte sua cultura religiosa aos níveis alcançados em sua maturidade humana, às exigências dos tempos e de sua cultura, e que se sirva dos meios que a Igreja põe à sua disposição. É trabalho árduo, comprometedor e delicado, porém possível, que questiona não só o crente particular, mas a própria Igreja como instituição. A conversão sintetiza tudo o que ocorre no crente, uma vez que, por meio da fé, ele entrou em contato pessoal com Cristo. Por isso, deve manter seu dinamismo ao longo de toda a sua vida. Os termos ‘crescimento’ e ‘progresso espiritual’ expressam melhor do que a palavra conversão a constante transformação que a fé exige de quem já é crente, assim como os termos ‘justificado’ e ‘reconciliado’ indicam melhor do que o vocábulo pecador quem é o crente. A conversão à fé deixa para trás um passado de pecado e abre ao crente um futuro que são Paulo assim descreve: ‘Portanto, não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus’ (Rm 8,1). A conversão é algo inicial (AG 13) e, por isso, admite graus, como a fé (Lc 17,15). A fé tem medida própria (Rm 12,3; 1Cor 12,11); mas, quaisquer sejam o grau e a medida recebidos, a fé convida constantemente o crente e a Igreja a empenhar suas energias em purificá-la, completá-la e levá-la à sua plena realização. Purificar a fé significa eliminar os elementos que se lhe sobrepuseram, por causa de sua encarnação na história; elementos que, em determinadas circunstâncias pessoais ou coletivas, podem parecer intimamente pertencentes a ela, quando não são mais do que subprodutos humanos de sua expressão externa ou de uma compreensão limitada da mesma. Mas purificação da fé significa também o resultado do esforço para colocar em seu devido lugar os elementos da própria fé que em alguns casos foram descuidados. São Paulo quando de sua pregação, reivindica com suma energia o lugar central de Cristo crucificado (1Cor 2,2), purifica a fé da comunidade de Corinto. Jesus Cristo faz o mesmo quando tenta inculcar no coração dos discípulos que se dirigiam a Emaús no dia da Páscoa que Cristo tinha de morrer para entrar em sua glória (Lc 24,26).
A devida hierarquia das verdades da fé (UR 11) já é purificação que exige crescimento da própria fé, já que é laço recíproco entre tais verdades. Esta conexão convida o crente a adquirir conhecimento mais completo das mesmas. A ‘analogia da fé’ pode guiar o crente tanto para a purificação desta fé, quanto para a ampliação de seus horizontes. Se realmente é importante a purificação no que diz respeito à autenticidade e à profundidade da fé, também o é em relação à aquisição de um conhecimento completo, de forma que o crente possa enriquecer principalmente todos os aspectos de sua vida, dar razões mais convincentes de sua esperança (1Pd 3,15) e compreender a dimensão todo abrangente da caridade de Cristo (Ef 3,18).”[7]

Aspecto Místico

“Por sua Revelação, ‘o Deus invisível, levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos, e com eles se entretém para os convidar à comunhão consigo e nela os receber’. A resposta adequada a este convite é a fé. Pela fé, o homem submete completamente sua inteligência e sua vontade a Deus. Com todo o seu ser, o homem dá seu assentimento a Deus revelador. A Sagrada Escritura denomina ‘obediência da fé’ esta resposta do homem ao Deus que revela. Obedecer (ob-audire) na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que sua verdade é garantida por Deus, a própria Verdade. Desta obediência, Abraão é o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe, e a Virgem Maria, sua mais perfeita realização.
A Epístola aos Hebreus, no grande elogio à fé dos antepassados, insiste particularmente na fé de Abraão: ‘Foi pela fé que Abraão, respondendo ao chamado, obedeceu e partiu para uma terra que devia receber como herança, e partiu sem saber para onde ia’ (Hb 11,8). Pela fé, viveu como estrangeiro e como peregrino na Terra Prometida. Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da promessa. Pela fé, finalmente, Abraão ofereceu seu filho único em sacrifício. Abraão realiza, assim, a definição da fé dada pela Epístola aos Hebreus: ‘A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que não se veem’ (Hb 11,1). ‘Abraão creu em Deus, e isto lhe foi levado em conta de justiça’ (Rm 4,3). Graças a esta ‘fé poderosa’ (Rm 4,20), Abraão tornou-se ‘o pai de todos os que haveriam de crer’ (Rm 4,1 1.18). O Antigo Testamento é rico em testemunhos desta fé. A Epístola aos Hebreus proclama o elogio da fé exemplar dos antigos, ‘que deram o seu testemunho’ (Hb 11, 2.39). No entanto, ‘Deus previa para nós algo melhor’: a graça de crer em seu Filho Jesus, ‘o autor e realizador da fé, que a leva à perfeição’(Hb 11,40; 12,2). A Virgem Maria realiza da maneira mais perfeita a obediência da fé. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que ‘nada é impossível a Deus’(Lc 1,37) e dando seu assentimento: ‘Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra’ (Lc 1,38). Isabel a saudou: ‘Bem-aventurada a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido’ (Lc 1,45). É em virtude desta fé que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada. Durante toda a sua vida e até sua última provação, quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua fé não vacilou. Maria não deixou de crer ‘no cumprimento’ da Palavra de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé.
A fé é primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus; é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou. Como adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade que ele revelou, a fé cristã é diferente da fé em uma pessoa humana. E justo e bom entregar-se totalmente a Deus e crer absolutamente no que ele diz. Seria vão e falso pôr tal fé em uma criatura. Para o cristão, crer em Deus é, inseparavelmente, crer naquele que Ele enviou, ‘seu Filho bem-amado’, no qual Ele pôs toda à sua complacência; Deus mandou que O escutássemos. O próprio Senhor disse a seus discípulos: ‘Crede em Deus, crede também em mim’ (Jo 14,1). Podemos crer em Jesus Cristo por que ele mesmo é Deus, o Verbo feito carne: ‘Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito, que está voltado para o seio do Pai; este o deu a conhecer’ (Jo 1,18). Por ter ele ‘visto o Pai’ (Jo 6,46), ele é o único que o conhece e pode revelá-lo. Não se pode crer em Jesus Cristo sem participar de seu Espírito. E o Espírito Santo que revela aos homens quem é Jesus. Pois ‘ninguém pode dizer ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo’ (1 Co 12,3). ‘O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus... O que está em Deus, ninguém o conhece a não ser o Espírito de Deus’ (1Cor 2,10-11). Só Deus conhece a Deus por inteiro. Cremos no Espírito Santo porque Ele é Deus. Quando São Pedro confessa que Jesus é o Cristo, Filho do Deus vivo, Jesus lhe declara que esta revelação não lhe veio ‘da carne e do sangue, mas de meu Pai que está nos céus’. A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. ‘Para que se preste esta fé, exigem-se a graça prévia e adjuvante de Deus e os auxílios internos do Espírito Santo, que move o coração e o converte a Deus, abre os olhos da mente e dá a todos suavidade no consentir e crer na verdade’.”[8]
“A fé nos faz degustar como por antecipação a alegria e a luz da visão beatífica, meta de nossa caminhada na terra. Veremos então a Deus ‘face a face’ (1Cor 13,12), ‘tal como Ele é’ (1Jo 3,2). A fé já é, portanto, o começo da vida eterna: Enquanto desde já contemplamos as bênçãos da fé, como um reflexo no espelho, é como se já possuíssemos as coisas maravilhas que um dia desfrutaremos, conforme nos garante nossa fé. Por ora, todavia, ‘caminhamos pela fé, não pela visão’ (2Cor 5,7), e conhecemos a Deus ‘como que em um espelho, de uma forma confusa..., imperfeita’ (1Cor 13,12). Luminosa em virtude daquele em que ela crê, a fé é muitas vezes vivida na obscuridade. A fé pode ser posta à prova. O mundo em que vivemos muitas vezes parece estar bem longe daquilo que a fé nos assegura; as experiências do mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem contradizer a Boa Nova; podem abalar a fé e tornar-se para ela uma tentação. É então que devemos nos voltar para as testemunhas da fé: Abraão, que creu, ‘esperando contra toda esperança’ (Rm 4,18); a Virgem Maria, que na ‘peregrinação a fé’ foi até a ‘noite da fé’, comungando com o sofrimento de seu Filho e com a noite de seu túmulo e tantas outras testemunhas da fé: ‘Com tal nuvem de testemunhas ao nosso redor, rejeitando todo fardo e o pecado que nos envolve, corramos com perseverança para o certame que nos é proposto, com os olhos fixos naquele que é autor e realizador da fé, Jesus’ (Hb 12,1-2).”[9]

Aspecto prático

“A fé opera por meio da caridade (Gl 5,6). O crente fiel ao Evangelho deve edificar sobre a rocha (Mt 7,24), isto é, deve agir prendendo-se às exigências de sua fé, que lhe revela que a caridade é o grande carisma e o melhor caminho a seguir (1Cor 12,31; 13, 1ss). Sua fé já é amizade com Deus e o vincula ao próximo; mas, sem a caridade – que é amizade e por si mesma intercâmbio de bens e desejos de comunicar o bem supremo permaneceria inoperante. Em síntese, a espiritualidade do crente faz com que resplandeça seu rosto como o de amigo que dá testemunho diante do mundo de que já começaram os tempos da misericórdia de Deus, e de que seu reino já está presente. O apostolado do crente é a demonstração mais eloquente de que ele age como cristão, pois o apostolado procede de seu próprio Batismo. Em outras palavras o apostolado deve estar presente em todas as suas atividades. Todo cristão, se é verdadeiramente tal, participa da missão de Cristo e tem que dar testemunho de Jesus com espírito de profecia. Jesus manifestou a seus discípulos e, por meio deles, a todos os crentes, este desejo: ‘Brilhe de tal modo vossas luz diante dos homens, que eles vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que estás nos céus’ (Mt 5,16). Este dever de crente consiste em encarnar sua fé na própria história. Semelhante proceder, como ode Jesus, evidencia que somos enviados pelo Pai ( Jo 5,36). São Paulo nos serve de modelo para esta conduta, que tem de constar de palavra e ação, de respeito e decisão, de desinteresse e de zelo, sob o impulso da caridade e da esperança em que o Espírito abra a porta dos corações, com o empenho do bom cultivador do campo e com a consciência de que é Deus quem faz crescer a semente, levando em conta o mistério da liberdade humana e da graça divina, e seguindo os seus planos. A espiritualidade do crente cresce dando e comunicando: ‘Ao que tem ser-lhe-á dado; e de quem não tem, até o que tem lhe será tirado’ (Lc 19,26).” [10]

Pecado contrário à virtude da Fé: Incredulidade

Nossa vida moral encontra sua fonte na fé em Deus, que nos revela seu amor. Paulo fala da ‘obediência da fé’ como da primeira obrigação. Ele vê no ‘desconhecimento de Deus’ o princípio e a explicação de todos os desvios morais. Nosso dever em relação a Deus consiste em crer nele e em dar testemunho dele. O primeiro mandamento manda-nos alimentar e guardar com prudência e vigilância nossa fé e rejeitar tudo o que se lhe opõe. Há diversas maneiras de pecar contra a fé. A dúvida voluntária sobre a fé negligencia ou recusa ter como verdadeiro o que Deus revelou e que a Igreja propõe para crer. A dúvida involuntária designa a hesitação em crer, a dificuldade de superar as objeções ligadas à fé ou, ainda, a ansiedade suscitada pela obscuridade da fé. Se for deliberadamente cultivada, a dúvida pode levar à cegueira do espírito. A incredulidade é a negligência da verdade revelada ou a recusa voluntária de lhe dar o próprio assentimento. Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do Batismo, de qualquer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dessa verdade; apostasia, o repúdio total da fé cristã; cisma, a recusa de sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos.”[11] “A tentação impele à incredulidade, à rejeição da visão de Deus no sentido que lhe dá Lonergan, de fé como ‘olho de amor’, sem a qual o mundo é demasiado mau para que Deus seja bom, para que o Deus bom possa existir. A fé é o olho do amor, a convicção de que todas as coisas contribuem para o bem dos que amam a Deus (Rrn 8,28); ela reconhece o significado último da consumação do homem. Esta convicção pode ser minada, entretanto, em suas raízes pela desatenção, pelas distrações que dominam o centro da consciência do homem. ‘... Caminhando sob o peso dos cuidados, da riqueza e dos prazeres da vida, são sufocados e não chegam à maturidade’ (Lc 8,14). Os cuidados, as riquezas e os prazeres encontram o modo de se converterem em fins em si mesmos e podem transformar-se em ocasiões em que os homens só olhem para si próprios, em vez de olharem para Deus, na busca de sua realização pessoal.”

Santa Clara e a virtude da Fé

Santa Clara de Assis viveu autenticamente a fé cristã, e a expressou em suas atitudes e palavras. Na Carta Introdutória de sua Legenda, lemos que ela foi luz que resplandeceu e iluminou a visão obscurecida da fé de seu tempo. Clara manteve-se sempre fiel a á fé católica, e exortou suas Irmãs para que se mantivessem firmes na mesma fé.[12]

“Vejo que são a humildade, a força da fé e os braços da pobreza que a levaram a abraçar o tesouro incomparável escondido no campo do mundo e dos corações humanos, com o qual compra-se (cf. Mt 13,44) aquele por quem tudo foi feito (cf. Jo 1,3) do nada.” [13]

“Suporte por bem as adversidades e não se deixe exaltar pela prosperidade, porque esta pede fé, mas aquelas a exigem”.[14]

Se alguém, por inspiração divina, vier ter conosco querendo abraçar esta vida, a abadessa deverá pedir o consentimento de todas as Irmãs. E se a maioria concordar, poderá recebê-la, tendo obtido a licença do nosso cardeal protetor. Se achar que deve ser recebida, examine-a diligentemente, ou a faça examinar sobre a fé católica e os sacramentos da Igreja. Se crer em tudo isso e quiser confessá-lo fielmente e observá-lo firmemente até o fim, não tiver marido ou, tendo-o, já houver entrado na vida religiosa com autorização do bispo diocesano, e feito o voto de continência, e se não for impedida de observar esta vida pela idade avançada ou alguma enfermidade ou deficiência mental, que lhe seja exposto diligentemente o teor de nossa vida.”[15]

(...) a fim de que, sempre submissas e subordinadas aos pés da mesma santa Igreja, firmes na fé católica, observemos para sempre a santa pobreza e humildade de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua santíssima Mãe e o Santo Evangelho, que prometemos firmemente. Amém.” [16]

“Apenas dada à luz, a pequena Clara começou a brilhar com luminosidade muito precoce nas sombras do século e a resplandecer na tenra infância pelos bons costumes. De coração dócil, recebeu primeiro dos lábios da mãe os rudimentos da fé e, inspirando-a e formando-a interiormente o espírito, esse vaso, em verdade puríssimo, revelou-se vaso de graças.” [17]

“A filha habitualmente segue os vestígios da mãe. De mente atenta, dócil de ânimo, com sentido muito lúcido, o que recebeu da boca da mãe em seus verdes anos, guardando no coração sincero as primícias da fé, já tratava de fazer de si mesma um templo para o Senhor, de modo que o culto a Deus e a prática da vida célibe passasse o tempo primevo dos anos mais tenros, buscava, na concepção pura da mente, que pudesse dar-se como primícias para Cristo, interior e exteriormente.”[18]

“A virgem colocou para si mesma o resumo de toda fé e esperança só na virtude da cruz, cujos méritos estão anotados na Sagrada Página e são figurados pelos perfumes fechados.” [19]

“E a senhora foi virgem desde o seu nascimento. Era a mais humilde entre todas as Irmãs e tinha tanto fervor de espírito que, por amor de Deus, teria suportado de boa vontade o martírio pela defesa da e de sua Ordem. Interrogada sobre como sabia dessas coisas, respondeu que esteve com ela durante todo esse tempo, vendo e ouvindo o amor que a senhora tinha pela fé e pela Ordem.”.[20]



[1] Catecismo Da Igreja Católica 1814; 26.
[2] Ibidem, 167-168.
[3] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.

[4] McKenzie, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Ed. Paulinas, 1983.
[5] Ibidem.
[6] Catecismo Da Igreja Católica, 162.
[7] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.

[8] Catecismo da Igreja Católica, 144-153.
[9] Ibidem , 163-165.
[10] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.
[11] Catecismo Da Igreja Católica, 2087-2089.
[12]Cf. RSC 12,13.
[13] 3CtIn 7.
[14] CtEr 7.
[15] RSC 1, 1-7.
[16] Idem 12, 13.
[17] LSC 1.
[18] Idem 5.
[19] Ibidem 28.
[20] ProcC 7, 2.

Esperança, Virtude Teologal


 

Esperança, Virtude Teologal

“A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. ‘Continuemos a afirmar nossa esperança, porque é fiel quem fez a promessa’ (Hb 10,23). ‘Este Espírito que ele ricamente derramou sobre nós, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que fôssemos justificados por sua graça e nos tornássemos herdeiros da esperança da vida eterna’(Tt 3,6-7). A virtude da esperança responde à aspiração de felicidade colocada por Deus no coração de todo homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens; purifica-as, para ordená-las ao Reino dos Céus; protege contra o desânimo; dá alento em todo esmorecimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O impulso da esperança preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade. A esperança cristã retoma e realiza a esperança do povo eleito, que tem sua origem e modelo na esperança de Abraão, cumulada em Isaac, das promessas de Deus, e purificada pela prova do sacrifício. ‘Ele, contra toda a esperança, acreditou na esperança de tornar-se pai de muitos povos’ (Rm 4,18).
A esperança cristã se manifesta desde o início da pregação de Jesus no anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam nossa esperança ao céu, como para a nova Terra prometida; traçam o caminho por meio das provações reservadas aos discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos de Jesus Cristo e de sua Paixão, Deus nos guarda na ‘esperança que não decepciona’ (Rm 5,5). A esperança é a ‘âncora da alma’ segura e firme, ‘penetrando... onde Jesus entrou por nós, como precursor’ (Hb 6,19-20). Também é uma arma que nos protege no combate da salvação: ‘Revestidos da couraça da fé e da caridade e do capacete da esperança da salvação’ (l Ts 5,8) Ela nos traz alegria mesmo na provação: ‘alegrando-vos na esperança, perseverando na tribulação’ (Rm 12,12). Ela se exprime e se alimenta na oração, especialmente no Pai-Nosso resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar. Podemos esperar, pois, a glória do céu prometida por Deus aos que o amam e fazem sua vontade. Em qualquer circunstância, cada qual deve esperar, com a graça de Deus, ‘perseverar até o fim’ e alcançar a alegria do céu como recompensa eterna de Deus pelas boas obras praticadas com graça de Cristo. Na esperança, a Igreja pede que ‘todos ó homens sejam salvos’ (1Tm 2,4). Ela aspira a estar unida a Cristo, seu Esposo, na glória do céu. ”[1]
A espiritualidade cristã deve ser, antes de mais nada, espiritualidade teologal. O fundamento da existência cristã é o dom de Deus, essencialmente uno e indivisível. Daí a exigência de restabelecer a unidade entre fé-esperança-caridade, para voltar a encontrar o lugar que a esperança ocupa na vida do crente. Na existência cristã, a fé ocupa o primeiro lugar; mas o primado pertence à esperança. Sem o conhecimento de Cristo, que se possui graças à fé, a esperança se converteria em utopia suspensa no ar. No entanto, sem a esperança, a fé esmorece e torna-se tíbia e morta. Por meio da fé, o homem encontra o caminho da vida autêntica; mas somente a esperança pode mantê-lo em tal caminho. Por isso, a fé em Cristo faz que a esperança se transforme em certeza; e a esperança confere amplo horizonte à fé, levando-a à vida.
A esperança é, portanto, a verdadeira dimensão da fé; é o caminhar da fé para o seu objeto: Deus senhor do futuro, cujo nome bíblico Iahweh foi interpretado por Martin Buber com as seguintes palavras: ‘Eu estarei presente como aquele que estará presente’. Por isso, a fé e a esperança não podem justapor-se como se a fé se referisse ao que já aconteceu, ao passo que a esperança olhasse exclusivamente para o futuro. Tanto o presente quanto o futuro de Cristo fundamentam a fé e a esperança na imanência recíproca de ambas. A fé lembra a realidade da ressurreição de Cristo como acontecimento criador de futuro. A esperança, por sua vez, alimenta a tendência para o futuro, baseando-se na realidade do que já aconteceu. Memória e esperança ‘são duas atitudes do espírito humano tendentes a realizar a unidade da própria experiência. O homem está, portanto, sujeito a dupla tentação. A primeira consiste na possibilidade de perder-se na objetivação da ação concreta; de alienar-se numa mediação em que se perde justamente a consciência de sua mediatez. É chamado, portanto, a reencontrar-se e a recuperar-se. A memória é esta tendência ao autorreencontro. Como tal, não se opõe exclusivamente ao esquecimento do passado, mas também e, sobretudo ao distanciamento, à alienação do sujeito na rede das relações com a natureza e com seus semelhantes. A segunda tentação do homem é a do autorreflexo, a incapacidade de sair de si mesmo, a falta de imaginação. Exatamente o sentido da inadequação assim concebida é o que se expressa na esperança. Esta abre o momento atualmente vivido pelo homem às possibilidades que o medo e o terror diante do novo e do risco tendem a eliminar. A esperança me abre à possibilidade que o outro me pode oferecer, mas também ao fato e à história. Como tal, não é apenas nem principalmente a tendência orientada para o futuro, mas a presença atenta às dimensões do presente, à sua limitação e à sua profundidade’.
A atitude fundamental do homem diante da ressurreição de Cristo, como cumprimento e promessa, não pode ser outra senão a da fé- esperança, isto é, a do abandono corajoso à sua fidelidade. Por outro lado, a fé-esperança, como ato de confiança absoluta em Deus, que salva mediante o mistério pascal de Cristo, implica a entrega total do homem a Deus e aos irmãos, isto é, a caridade. Confiar em Deus significa amá-lo; ora, o amor só se realiza, só é autêntico nas obras. A esperança cristã não é puramente pessoal, mas essencialmente comunitária: une entre si os cristãos em sua relação comum com Cristo (Ef 4,4-6; Cl 3,12-15). É chamada a assumir o significado ilimitado do amor divino, e, neste sentido, se converte no fundamento que possibilita o amor. ‘Para o amor sempre são necessárias a esperança e a certeza do futuro, pois o amor dirige seu olhar às possibilidades ainda não captadas do outro homem, e, por isso, lhe propicia liberdade e lhe garante futuro ao reconhecer suas possibilidades. No conhecimento e na oferta dessa dignidade humana de que o homem se torna digno na ressurreição dos mortos, o amor criador encontra o futuro total, em direção a quem ama’.
A relação da esperança com o amor cristão projeta, portanto, luz nova sobre a própria esperança como exigência intrínseca de encarnar-se na tarefa de transformar o mundo a serviço do homem. A esperança no futuro de Deus, que é futuro comum, seria vã se não incluísse a solidariedade presente do amor realizado na ação. A polarização da existência cristã em torno das virtudes teologais, consideradas em sua unidade intrínseca e em sua interdependência, evidencia o papel da esperança na espiritualidade cristã e seu indiscutível primado na atual fase histórica da salvação. ‘Ela, a esperança, é quem tudo arrasta consigo. Porque a fé só vê o que existe, ao passo que a esperança vê o que existirá... O amor só ama o que existe, mas a esperança ama o que existirá... no tempo e por toda a eternidade’ (Ch. Péguy).
A esperança cristã funciona não tanto como posse segura de uma Presença, mas antes como espera de algo novo, como exigência profética que vai ‘além’ das instituições e da força do poder. Baseada no kairós, é espera desta ou daquela possibilidade de evento novo no horizonte da vinda escatológica do Senhor. A esperança é, portanto, estado permanente e constitutivo do viver cristão; É a condição mediante a qual o crente, inserindo-se no dinamismo dos acontecimentos históricos, olha as coisas em profundidade e aceita o risco das opções presentes com a constante tendência para o futuro.”[2]

Etimologia

Esperança tem origem no latim spes, sperare.  No latim clássico, é pronunciado spayss. No latim eclesiástico é pronunciado spayz; O Dicionário Eletrônico Houaiss diz que a palavra esperança vem de “esperar+ança”. Existiu em latim sperantia, neutro plural de sperans, sperantis, particípio presente do verbo sperāre, que teria suplantado o latim clássico spes, spei, “esperança”. Significa uma espera aberta, que não assenta em resultados externos, como a expectativa, mas sobre a realização da pessoa; uma mudança radical da condição humana. Na Bíblia é pequena a atenção dispensada ao sentimento da esperança. Raras vezes apresenta-se como atitude subjetiva; quase sempre nos é oferecida como propensão a determinado objeto bem definido. [3] Spes, Esperança, Speranza, Espérance, Hope, Hoffnung.
Assim, a esperança é uma tendência para um bem futuro e possível. A esperança é uma energia interna, que cresce a cada momento e que nos torna capazes de derrubar muros e obstáculos que considerávamos intransponíveis. Sentimento que leva o homem a olhar para o futuro, considerando-o portador de condições melhores que as oferecidas pelo presente, de tal sorte que a luta pela vida e os sofrimentos são enfrentados como contingências passageiras, na marcha para um fim mais alto e de maior valor. “A esperança, do ponto de vista teológico, é uma virtude sobrenatural, que leva o homem a desejar Deus como bem supremo.” [4] Sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; a segunda das três virtudes teologais, ao lado da fé e da caridade. Representa-se por uma âncora. Esperança significa expectativa, espera. Esperança significa “sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; fé, também usado no plural e, em sentido figurado, aquilo ou aquele de que se espera algo, em que se deposita a expectativa; promessa”. A esperança projeta-se no futuro, uma vez que a pessoa que espera procura fundamentar e dar as razões dessa esperança e assume-se, consequentemente, não só como uma pessoa com um passado e um presente, mas, essencialmente, uma pessoa com um futuro. A vivência da esperança transmite paz e segurança ao dia de hoje e faz, assim, caminhar, sem medo, rumo a um horizonte futuro. Genericamente, a esperança é toda a tendência para um bem futuro e possível, mas incerto. Psicologicamente, tensão própria de quem se sente privado de um bem ardentemente desejado, mas que julga poder alcançar por si mesmo ou por outrem. A esperança diz respeito aos bens árduos e difíceis, porque não dependem apenas da vontade de quem os espera, mas também de circunstâncias ou vontades alheias, e que, por isso, a tornam de algum modo, incerta e falível. Justaposta às esperanças do dia-a-dia, há a grande esperança, ou seja, um vínculo permanente entre a espécie e o seu criador. O tema esperança é sempre atual. No Antigo Testamento, esperança é um assunto presente em todos os momentos decisivos da história do povo bíblico. Dentre as muitas palavras hebraicas que comunicam esperança, duas delas têm maior ocorrência nos livros do Antigo Testamento: a primeira é tohelet expressa esperança em meio à angústia (Jó 13,15; Sl 130,7): a segunda palavra é tiqewah que significa esperança em meio à grande expectativa (Sl 27,14; Is 40,31). Ambas palavras expressam o sentido de esperar com confiança. Na verdade, o grande chão da esperança é a fé e a confiança em Deus em meio às crises e provações. Por isso, esperar com firmeza é visto, na Bíblia, como uma grande expressão de fé. Aos sofridos exilados, na Babilônia, o profeta assim pronunciou: "Os que esperam no Senhor, renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam" (Is 40,31). Somente os que esperam e confiam crêem no futuro e salvação. Certamente, foi por isso que o profeta Zacarias chamou os crentes ou fiéis de "presos da esperança" (Zc 9,12). O idoso Simeão seria um desses fiéis, pois passou a vida esperando a consolação de Israel (Lc 2,25).

Aspecto teológico-ascético

“A esperança é o coração vivo da ascética. Ensina-nos a renegar-nos a nós mesmos e a renunciar ao mundo, não por sermos maus, nós e o mundo, mas porque não podemos, sem uma esperança sobrenatural que nos eleve acima das coisas, servir-nos perfeitamente do que é bom em nós e no mundo. Mas na esperança já somos senhores de nós mesmos e de todas as coisas porque na esperança já as temos, não tais quais elas são em si mesmas, mas tais quais são em Cristo: cheias de promessa. Todas as coisas são ao mesmo tempo boas e imperfeitas. A bondade rende testemunho à bondade de Deus. Mas a imperfeição de todas as criaturas nos incita a deixá-las para vivermos de esperança. Elas são em si mesmo insuficientes. Temos de passar além delas até Aquele no qual elas possuem o seu ser verdadeiro. Deixamos os bens deste mundo, não que não sejam bons, mas porque somente o são à medida que fazem parte de uma promessa. Eles, por seu turno, dependem da nossa esperança e da nossa renúncia, para realizar o seu destino. Se nós abusamos das coisas, arruinamo-nos juntamente com elas. Se delas usamos como filhos das promessas divinas, levamo-las conosco até Deus.
‘Porque a expectativa da criatura aguarda a revelação dos filhos de Deus... Porque a criatura também será livrada da escravidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus’ (Rm 8,19-21). Da nossa esperança, pois, depende a liberdade de todo o universo. Porque ela é o penhor dos novos céus e da nova terra, em que todas as coisas serão aquilo que devem ser. Elevar-se-ão conosco, em Cristo. Os animais e as árvores compartilharão, um dia, conosco a nova criação, e nós os veremos como Deus os vê, e conheceremos que são muito bons. Se, entretanto, as tomamos para nós, descobrimos que tanto elas como nós somos perversos. Eis o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, desgosto das coisas de que abusamos e de nós mesmos por tê-lo feito. Mas a bondade da criação entra no quadro da santa esperança. Todas as coisas criadas proclamam a fidelidade de Deus às suas promessas, e impelem-nos, por amor de nós e delas, a renegar-nos, a viver em esperança, com os olhos fitos no juízo e na ressurreição geral. Um ascetismo que não estiver suspenso a esta divina promessa é algo menos que cristão. ”[5]
“Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar,  por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar.  Ele pode ajudar-me. Se me encontro confinado numa extrema solidão. O orante jamais está totalmente só. Dos seus treze anos de prisão, nove dos quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van Thuan deixou-nos um livrinho precioso: orações de esperança. Durante treze anos de prisão, numa situação de desespero aparentemente total, a escuta de Deus, o poder falar-lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança, que, depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os homens em todo o mundo uma testemunha da esperança, daquela grande esperança que não declina, mesmo nas noites da solidão.
De forma muito bela Agostinho ilustrou a relação íntima entre oração e esperança, numa homilia sobre a Primeira Carta de João. Ele define a oração como um exercício do desejo. O homem foi criado para uma realidade grande ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas, o seu coração é demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado. ‘Assim procede Deus: diferindo a sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo, dilata a alma, tornando-a mais apta a receber os seus dons’. Aqui Agostinho pensa em S. Paulo que, de si mesmo, afirma viver inclinado para as coisas que hão de vir (Fl 3,13). Depois usa uma imagem muito bela para descrever este processo de dilatação e preparação do coração humano. ‘Supõe que Deus queira encher-te de mel (símbolo da ternura de Deus e da sua bondade). Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde vais por o mel?’ O vaso, ou seja o coração, deve primeiro ser dilatado e depois limpo: livre do vinagre e do seu sabor. Isto requer trabalho, faz sofrer, mas só assim se realiza o ajustamento àquilo para que somos destinados. Apesar de Agostinho falar diretamente só da receptividade para Deus, resulta claro, no entanto, que o homem neste esforço, com que se livra do vinagre e do seu sabor amargo, não se torna livre só para Deus, mas abre-se também para os outros. De fato, só tornando-nos filhos de Deus é que podemos estar com o nosso Pai comum. Orar não significa sair da história e retirar-se para o canto privado da própria felicidade. O modo correto de rezar é um processo de purificação interior que nos torna aptos para Deus e, precisamente desta forma, aptos também para os homens. Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente pode pedir a Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não pode rezar contra o outro. Deve aprender que não pode pedir as coisas superficiais e cômodas que de momento deseja, a pequena esperança equivocada que o leva para longe de Deus. Deve purificar os seus desejos e as suas esperanças. Deve livrar-se das mentiras secretas com que se engana a si próprio: Deus perscruta-as, e o contato com Deus obriga o homem a reconhecê-las também. ‘Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas’, reza o Salmista (19/18,13). O não reconhecimento da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem me salva, porque o entorpecimento da consciência, a incapacidade de reconhecer em mim o mal enquanto tal é culpa minha. Se Deus não existe, talvez me deva refugiar em tais mentiras, porque não há ninguém que me possa perdoar, ninguém que seja a medida verdadeira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta a minha consciência, para que deixe de fornecer-me uma autojustificação, cesse de ser um reflexo de mim mesmo e dos contemporâneos que me condicionam, mas se torne capacidade de escuta do mesmo Bem.
Para que a oração desenvolva esta força purificadora, deve, por um lado, ser muito pessoal, um confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo; mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e iluminada pelas grandes orações da Igreja e dos santos, pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo. O Cardeal Nyugen Van Thuan, contou no seu livro de Exercícios Espirituais, como na sua vida tinha havido longos períodos de incapacidade para rezar, e como ele se tinha agarrado às palavras de oração da Igreja e às orações da Liturgia. Na oração, deve haver sempre este entrelaçamento de oração pública e oração pessoal. Assim podemos falar a Deus, assim Deus fala a nós. Deste modo, realizam-se em nós as purificações, mediante as quais nos tornamos capazes de Deus e idôneos ao serviço dos homens. Assim tornamo-nos capazes da grande esperança e ministros da esperança para os outros: a esperança em sentido cristão é sempre esperança também para os outros. E é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas não caminhem para o ‘fim perverso’. É esperança ativa precisamente também no sentido de mantermos o mundo aberto a Deus. Somente assim, ela permanece também uma esperança verdadeiramente humana. ”[6]

Aspecto Místico

“Não somos perfeitamente livres enquanto não vivemos de pura esperança. Pois, quando é pura a nossa esperança, ela não mais confia em meios humanos e visíveis, nem repousa em qualquer fim visível. Quem espera em Deus, acredita que Deus, que ele jamais vê, o conduza à posse de bens que ultrapassam toda a fantasia. É quando não desejamos as coisas deste mundo por elas mesmas, que ficamos aptos a vê-las como são realmente. Vemos ao mesmo tempo a sua bondade e a sua finalidade, e tornamo-nos capazes de apreciá-las como nunca fizemos antes. Tão logo nos desprendemos delas, eis que começam a agradar-nos. Mal cessamos de contar só com elas, ei-las prontas para servir-nos. Uma vez que não dependemos mais nem do prazer nem do auxílio que nos dão, elas oferecem-nos um e outro à ordem de Deus. Pois que disse Jesus: ‘Procurai, primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas (isto é, tudo de que precisardes para a vossa vida na terra) vos serão dadas em acréscimo’ (Mt 6,33).
Esperança sobrenatural é a virtude que nos despoja de tudo a fim de nos dar tudo. Ninguém espera por aquilo que já tem. Por conseguinte, viver de esperança é viver em pobreza, sem nada. E, no entanto, se nos entregamos à economia da Providência, nada do que esperamos nos faltará. Pela fé conhecemos a Deus sem O ver. Pela esperança possuímos a Deus sem sentir-Lhe a presença. Se nós esperamos em Deus já O possuímos pela esperança, pois ela é uma confiança que Ele cria em nossas almas, como uma evidência secreta de que Ele tomou posse de nós. Assim, a alma que espera em Deus, já Lhe pertence, e pertencer a Deus é o mesmo que possuí-Lo, pois Ele se entrega totalmente àqueles que a Ele se entregam. O que a fé e a esperança não nos dão, é somente a visão clara d’Aquele que nós já possuímos. Somos-Lhe unidos na obscuridade, porque temos de esperar. A esperança priva-nos de cada coisa que não é Deus, para que todas as coisas possam servir ao seu verdadeiro destino, que é levar-nos a Deus. A esperança é proporcional ao desprendimento. Ele introduz a nossa alma no estado do mais perfeito despojamento. É graças a isto que ela restaura todos os valores, dispondo-os no seu justo lugar. A esperança esvazia-nos as mãos, para que possamos trabalhar com elas. Mostra-nos que temos razão de agir, e ensina-nos a fazê-lo. Sem a esperança, a nossa fé só nos dá distantes relações com Deus. Sem o amor e a esperança, a fé só O conhece como a um estranho. Pois a esperança é que nos joga nos braços da sua misericórdia e da sua providência. Se esperamos em Deus, não nos limitaremos a saber que Ele é bom, mas experimentaremos nas nossas vidas a sua misericórdia.
Se, em vez de confiar em Deus, eu confio apenas na minha inteligência, nas minhas forças, e na minha prudência, os meios que Deus me deu para achar caminho até Ele hão de falhar sem exceção. Sem a esperança, não há nada, na criação, que preste para algo de fundamental. Colocar a nossa esperança em coisas visíveis, é viver no desespero. E, no entanto, se eu espero em Deus, devo fazer também um uso confiante dos recursos naturais que ao lado da graça me ajudam a ir para Ele. Se Deus é bom, e se a minha inteligência é uma dádiva sua, o meu dever é mostrar, pela inteligência, a minha confiança na sua bondade. Devo deixar a fé elevar, curar e transformar a luz da minha mente. Se Ele é misericordioso, e se a minha liberdade é um dom da sua bondade, devo mostrar, pelo uso da minha vontade livre, a confiança que ponho na sua misericórdia. Devo deixar a esperança e a caridade purificar e robustecer a minha liberdade humana e elevar-me até a gloriosa autonomia dos filhos de Deus. Alguns há que pensam ter confiança em Deus e, na realidade, pecam contra a esperança, porque não usam a vontade e o juízo que Deus lhes deu. Que utilidade tem em esperar da graça, se não me atrevo a fazer o ato de vontade que corresponde à graça? Como tirar proveito de uma entrega passiva de mim mesmo à vontade de Deus, se me falta a força de vontade para obedecer aos seus mandamentos? Por conseguinte, se eu tenho confiança na graça de Deus, devo também mostrar confiança nos poderes naturais que Ele me deu, não que sejam minhas estas faculdades, mas por serem dádiva sua. Se creio na graça de Deus, devo também levar em conta a minha vontade livre, sem a qual a sua graça seria inútil na minha alma. Se acredito que Deus pode amar-me, devo também crer que posso amá-lo. Se não creio que posso amar a Deus, então não creio naquele que nos deu o primeiro mandamento: ‘Amarás o Senhor teu Deus, de todo o coração, toda a mente e toda a tua força, e a teu próximo como a ti mesmo’. Podemos amar a Deus de dois modos: ou porque esperamos dele alguma coisa, ou porque nele esperamos, sabendo que nos ama. Às vezes começamos com a primeira maneira de esperar, e progredimos para a segunda. Neste caso, a esperança e a caridade estão intimamente unidas, e ambas repousam em Deus. Neste caso, cada ato de esperança pode abrir as portas à contemplação, porque tal esperança traz a sua própria plenitude. Em vez de esperar por alguma coisa do Senhor, à margem do seu amor, coloquemos toda a nossa esperança nesse amor mesmo. Uma esperança assim é tão segura como o próprio Deus. Não pode ser jamais confundida. Ela é mais do que uma promessa de realização. Ela é já um efeito do amor pelo qual ela espera. Se busca a caridade, é porque já a achou. E se busca a Deus, é sabendo que já foi encontrada por Ele. Viaja para o céu, sentindo obscuramente que já ali aportou.
Todos os desejos podem falhar, menos um. O único desejo que é infalivelmente cumprido, é o de ser amado por Deus. Não podemos querer Deus eficazmente, sem ao mesmo tempo desejar amá-lo, e o desejo de amá-lo é um desejo que não pode malograr. Simplesmente por desejar amá-Lo, já estamos começando a fazer aquilo mesmo que desejamos. A nossa liberdade é perfeita quando nenhum outro desejo pode impedir-nos de amar a Deus. Mas, se amamos a Deus por qualquer outra coisa que Ele mesmo, acalentamos um desejo que pode enganar-nos. Corremos o risco de odiá-lo no caso de não alcançarmos aquilo por que esperamos. Só é legítimo amar todas as coisas e ir ao seu encalço, quando elas se convertem em meios de amar a Deus. Não há nada que não possamos pedir-lhe, se é para que Deus seja ainda mais amado por nós ou por outros homens.
Seria um pecado limitar a nossa esperança em Deus. A Deus, devemos amar sem medida. Todo pecado tem raízes na carência de amor. Todo pecado consiste em retirar de Deus o amor, e aplicá-lo a outra coisa. O pecado limita a nossa esperança e aprisiona o amor. Se colocamos o nosso fim último em qualquer criatura, retiramos inteiramente do serviço de Deus vivo os nossos corações. Se, de outro lado, continuamos a amá-Lo como a nosso fim, mas sem que Ele seja a nossa única esperança, o nosso amor e a nossa esperança deixam de ser o que deviam ser, pois nenhum homem pode servir a dois senhores. A fé, que me diz que Deus quer ver salvos todos os homens, deve ser completada pela esperança de que Deus me quer salvar e pelo amor que corresponde ao desejo, e sela com a convicção a minha esperança. Assim, a esperança oferece a cada alma a substância de toda a teologia. Pela esperança, todas as verdades que são apresentadas a todos numa forma impessoal e abstrata tornam-se para mim convicção pessoal e interior. O que eu creio pela fé, o que eu compreendo pela teologia, eu o possuo e faço meu pela esperança. A esperança é o limiar da contemplação, porque a contemplação é uma experiência das coisas divinas, e nós não podemos experimentar o que não possuímos de algum modo. Pela esperança nós tocamos na substância daquilo que cremos; pela esperança já possuímos a essência das promessas do amor divino.
Jesus é a teologia do Pai, revelado aos homens. A fé me diz que essa teologia é acessível a todos. A esperança me diz que Ele me ama tanto, que se dá a mim. Se eu não espero em seu amor por mim, jamais conhecerei realmente a Cristo. Pela fé eu ouço falar dele. Mas, enquanto a minha fé não for completada pela esperança e pela caridade, eu não entro em contato com Ele e por Ele com o Pai: esperança esta que compreende o seu amor por mim, e caridade que lhe paga, em retorno, a minha dívida de amor. A esperança procura não somente a Deus e os meios de atingi-lo; mas, sobretudo procura a glória de Deus, revelada em nós, manifestação final da sua infinita misericórdia que pedimos ao dizer: Venha a nós o vosso Reino.” [7]A esperança no reino que há de vir, entendido corno poder de Deus, tem suas raízes nas experiências vividas por Israel ao longo de sua trajetória histórica. A soberania de Deus vai-se revelando pouco a pouco até sua consumação definitiva em Cristo morto e ressuscitado. Diversamente dos outros povos, Israel viveu sua existência corno história aberta para o futuro. Em sua origem, não há acontecimento mítico, mas acontecimento histórico: o êxodo da escravidão do Egito. Neste acontecimento, o povo hebreu experimentou o Deus dos pais, como Deus da promessa e da esperança e, ao mesmo tempo, descobriu ser povo a caminho. Neste sentido, a categoria da promessa deixou sua marca na própria linguagem religiosa de Israel, caracterizada pela escatologia do Deus que vem.
O regime da promessa começa com Abraão: nele Deus irrompe com poder na história, escolhendo para si um povo, a fim de torná-lo ‘sinal’ de salvação para todos (Gn 17,4-8; cf. 12,2-3). A esperança assume imediatamente os contornos de espera histórica: é esperança para esta vida, tanto no povo quanto no indivíduo. Possuir Deus significa, efetivamente, possuir o futuro: a libertação da escravidão, uma terra, a derrota do inimigo, a vitória do justo. O profetismo desenvolve a linha da espera messiânica do ponto de vista de profunda renovação interior (Is 11,1-10; 53,5-12; 62,2-4; Jr 31,31-34). Os profetas desautorizam a pretensão de Israel de construir o seu próprio futuro. Nesta linha, interpretam o malogro político e a experiência do exílio como juízo de Deus contra seu povo, que o traiu. Seu ensinamento é escatológico, porque tiram Israel ‘do âmbito salvífico dos fatos até então acontecidos’ e mudam ‘seu fundamento salvífico por meio de outro fato divino que está por acontecer’. Deste modo, a salvação se universaliza, e ao mesmo tempo, se espiritualiza, dando à promessa horizonte de expectativa, não mais marcado pelo limite da existência, porém aberto à novidade de vida diferente sob a soberania de Deus.
Outro aprofundamento posterior é operado pela literatura apocalíptica do judaísmo tardio, que tende a ‘desistorizar’ a promessa, fazendo da história unicamente o lugar em que se revela gradativamente o projeto de Deus, rigorosamente marcado desde o princípio. Mas a novidade mais significativa enraíza-se principalmente no fato de que o mundo inteiro se vê envolvido no processo escatológico da história humana. Assim, pois, progressivamente, a esperança do indivíduo tende a novo eon, isto é, a um renascimento do universo e a uma regeneração de todas as coisas. Para Israel, o fundamento da promessa é a fidelidade de Deus. Conhecer a Deus significa reconhecê-lo na fidelidade histórica a suas promessas; ele antecipa seu cumprimento real com grande número de prefigurações, isto é, de utopias realistas; mas fá-lo sem pré-julgar sua soberana liberdade. A promessa divina anuncia, efetivamente, de maneira antecipada, o que ainda não existe e que não deve desenrolar-se necessariamente dentro do quadro das possibilidades oferecidas pelo presente, mas que nasce unicamente do que é possível a ele. Certamente, concretiza-se no cumprimento das promessas feitas aos pais; mas, ao mesmo tempo, é superior a todo cumprimento. O motivo desta supervalorização constante é o caráter inesgotável do mistério de Deus. Ao rebaixar sempre os fatos e ao assinalar o futuro, a promessa permite que Israel encontre sua identidade e continuidade, reapropriando-se continuamente dos fatos históricos, aceitando-os e interpretando- os sempre de novo. Aliás, a promessa estimula a liberdade do homem, porque exige sua colaboração. Enquanto isso, entre a promessa anunciada e seu pleno cumprimento transcorre a história como obra do homem a caminho da pátria da identidade consigo mesmo e da plena comunhão da humanidade. O mundo passa a ser o lugar do compromisso humano, porque Deus não manifestará definitivamente seu reino, enquanto o homem não houver estabelecido os fundamentos para isso.
A promessa de Deus tornou-se realidade em Cristo: ‘Quanto a nós, anunciamo-vos a Boa Nova: a promessa, feita a nossos pais. Deus a realizou plenamente para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus’ (At 13,32-33). O dom do espírito é a confirmação da promessa realizada (At 1,4-5; 2,33). A certeza da esperança cristã encontra seu ponto de apoio definitivo e se converte ao mesmo tempo em renúncia a toda segurança humana e em completo abandono confiado ao mistério do amor absoluto de Deus. Em toda a sua existência, Cristo é acontecimento escatológico; traz em si a tendência para o futuro absoluto, que é Deus. Mas, é, sobretudo, o mistério pascal que revela plenamente o significado escatológico desta existência. A morte de Cristo é o cumprimento de sua entrega definitiva ao Pai; neste ato de êxodo de si mesmo e de confiança em Deus, ‘que podia salvá-lo da morte’ (Hb 5,7), o tempo de Cristo chega à sua suprema tendência à comunhão de vida com Deus. Sua ressurreição é o começo de vida nova não somente para ele, mas também para nós; porque Cristo foi ressuscitado por Deus como ‘primícia dos que morrem’, ‘primogênito entre muitos irmãos’ e ‘espírito vivificador’ (lCor 15,20-57; Rm 8,29; Cl1,18; At 26,23). Sua vitória é vitória para nós, porque é cumprimento irrevogável da promessa de Deus e inauguração do futuro não só da humanidade, mas também do mundo e da história (Cl 1,15-20; Ef 1,10.20-23). Neste sentido, a ressurreição é a origem do querigma e da esperança cristã. Com ela apareceu novo fator, que abre nosso mundo, encerrado na morte e no pecado, para o futuro; futuro que já está presente.
A ressurreição de Cristo, porém, não é mera consumação; implica a dialética interna do cumprimento e da promessa. E o cumprimento de todas as promessas que Deus fez a Israel (Gl 3,16-22; 2Cor 1,19-20; Lc 24,25-27.44.47) e é, ao mesmo tempo, promessa de outro cumprimento posterior, porque ainda não chegou nela o fim, mas apenas o seu começo; o futuro de Cristo deve vir ainda (At 1,11; Hb 9,28; 10,23). ‘E o éschaton, que irrompe transcendentalmente, aquele que situa em sua crise última toda a história do homem. Mas, com ele, o éschaton se torna igualmente próximo e distante da eternidade transcendental, do sentido transcendental de todos os tempos, de todos os tempos da história’. Desta forma, o futuro da história corresponde ao futuro de Cristo, ao cumprimento na glória de Deus da plena libertação do homem e do mundo. A continuidade entre Antigo e Novo Testamento tem raízes no fato de que o acontecimento de Cristo possui seu lugar numa história bem definida; é o cumprimento dessa história e, como tal, revela sua essência e verdade. Mas as tendências e as implicações latentes nele prolongam-se no futuro que abre. A ressurreição não é a consumação de todas as coisas; a ressurreição pôs em movimento um processo histórico escatologicamente determinado, cuja meta é a destruição da morte com a vitória da vida e a realização da justiça de Deus.
A presença dinâmica do Espírito, que impele os homens e as coisas para o amadurecimento final, situa o cristão em estado de tendência e de espera. Por outro lado, ele sabe que o poder criador de Deus torna-se compreensível unicamente à luz da cruz, porque nasce do aniquilamento total de toda expectativa mundana. Por isso, a esperança cristã não teme o negativo. É ‘esperança crucificada’, que se abre ao dom da ressurreição (Rm 4,17). Seu termo de mediação não é a possibilidade de desilusão, e sim a desilusão efetiva: a cruz de Cristo. Neste sentido, é esperança contra toda esperança (Rm 8,24-25; Hb 11,1). ‘A cruz de Cristo é o sinal da esperança de Deus neste mundo para todos os que, em sua vida, se abrigam à sombra da cruz. A teologia da esperança é, em seu ponto nuclear, teologia da cruz. A cruz de Cristo é a forma atualmente presente do reino de Deus na terra. O futuro de Deus nos contempla em Cristo crucificado. Todo o resto são sonhos e fantasias, meras ilusões. A fé cristã distingue-se do otimismo e da violência por causa da liberdade nascida da cruz’.
No mistério pascal emerge e aflora o sentido supremo da esperança cristã: é ao mesmo tempo compromisso histórico e abertura ao porvir escatológico como dom do poder de Deus. A força espiritual da esperança revela-se, sobretudo diante do enigma fundamental da vida, representado pelo mistério da morte. Por trás da máscara de toda pretensão terrena de algo absoluto, está escrito: memento mori. Por isso, o dilema de Hércules é inevitável: ou o absurdo, isto é, a falta de sentido na vida dos indivíduos e na história da humanidade, ou a invocação deste sentido absoluto da vida, para cuja construção sozinhos estamos ontologicamente incapacitados.
O tempo, que é justamente a duração específica do homem como espírito encarnado, revela ao homem sua caducidade, a presença oculta do nada em sua finitude criatural, seu ser-para-a-morte. Obriga o homem a se realizar nos atos repetidos de sua liberdade, em relação com os outros e com o mundo, fazendo-o tocar com a mão o fato de que, em nenhuma de suas decisões livres, chega a realizar-se e a possuir-se como plenitude. Por outro lado, a autopresença do espírito humano, que unifica o presente, o passado e o futuro, adverte o homem de que no fundo de si mesmo existe alguma realidade que transcende a duração sucessiva do tempo. O homem existe no tempo e acima do tempo. Traz, na consciência de si mesmo, a capacidade para uma plenitude supratemporal que, embora não possa conquistar por si mesmo, pode recebê-la como dom. A existência do homem tende para o futuro de uma vida libertada para sempre da caducidade do tempo e da morte.
A esperança cristã resgata o homem da perdição, porque resgata o tempo; fá-lo entrar na dinâmica da vida eterna, já iniciada, e projetar- se para a sua plenitude definitiva. ‘Se falo agora da esperança na vida eterna, devo limitar-me à pergunta: Que nos dá o direito a tal esperança? Que tem nossa experiência, aqui e agora, que justifique tal esperança? A resposta é a seguinte: porque experimentamos a presença do Eterno em nós e em nosso mundo... Esta é a base da esperança de participar da vida eterna; esta é a justificativa de nossa última esperança... A verdadeira esperança da vida eterna só é possível quando participamos dela aqui e agora. O grau de certeza de semelhante esperança depende da medida em que participemos, já desde agora, do eterno. Esta esperança pode ser maior ou menor; porém, uma coisa é certa: ela nunca é contínua, mas entre cortada de dúvidas; é feita de vacilações, de êxtases e de desespero. Não obstante, esta é a única experiência que nos dá direito à nossa última esperança’(Paul Tillich).
A garantia de tudo isto tem sentido e, portanto, o fundamento definitivo da certeza da esperança é a fé em Cristo morto e ressuscitado e o dom do Espírito. O tempo do homem transformado pelo Espírito de Cristo participa do tempo de Cristo. De um lado, é tempo de morte e de decisão diante do destino de morte. De outro, é tempo que tende para sua plenitude supratemporal através da morte. A caducidade do tempo provém da condição de criatura própria do homem e da fragilidade de sua liberdade, submetida à força desagregadora do pecado. Sua orientação para a plenitude integra a ‘nova criação’ mediante o dom divino do Espírito. O tempo da humanidade redimida por Cristo é tempo que tende à participação da vida eterna de Deus, isto é, à plenitude do futuro absoluto.
Tudo isso se pode captar na esperança. O tempo e a história mantêm ainda sua ambivalência. Somente a esperança confere ao homem a capacidade de viver a tensão do tempo presente entre o risco de sua própria queda, a insegurança existente em si mesmo diante do porvir e a confiança na promessa do Deus que vem e que virá. Neste sentido, a esperança é aceitação antecipada e permanente da morte no abandono de nós mesmos ao Deus que ressuscita dos mortos. Desta forma, a vida finita eterniza-se como finita, não mais mediante seu prosseguimento sem limite de tempo, porém mediante sua assunção no mistério de Deus. A experiência da morte é, em sua tragicidade, assimilação à morte de Cristo. A esperança cristã passa através do itinerário do sofrimento e da dor, que são parte estrutural da condição humana. Não obstante, o fato de esperar a superação da morte liberta o cristão para uma vida oposta à mera auto-afirmação, cuja verdade é a morte, e estimula-o a viver para os outros e a transformar o mundo. Assim, evidencia-se a certeza do futuro de Deus: ‘Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos’ (1Jo 3,14).” [8]

Aspecto prático

“Em meio às dificuldades e sofrimentos do tempo presente, Deus nos alimenta, consola e fortifica com a esperança. As tribulações da vida não apagam a esperança, ao contrário, fazem com que esta desperte com uma força admirável e nos empurre para frente, sempre nos mostrando que ainda há possibilidades. A Sagrada Escritura afirma isso quando diz: ‘A tribulação produz a perseverança; a perseverança, a fidelidade provada; e a fidelidade provada, a esperança. E a esperança não decepciona’ (Rm 5,3-5a).
Ela não é uma utopia ou uma disposição interior que nos permite construir mundos imaginários; é inteiramente concreta: nas situações em que paralisamos ou desesperamos e pensamos que já não há nada a ser feito, eis que a esperança se ergue dentro de nós e com a força do Espírito Santo diz: ‘Tente outra vez; seja mais humilde; reze, reze mais; não desista, ainda há solução; suporte com paciência... Ela coloca sempre à nossa frente novas possibilidades. É quem nos mostra o sentido da vida, alimenta a nossa fé e nos conduz à caridade. Na carta aos Hebreus, o autor compara a esperança a uma âncora: ‘Nela temos como que uma âncora da nossa vida segura e firme’ (Hb 6,19). Segura e firme porque atirada não na terra, mas no céu, não no tempo, mas na eternidade, ‘além do véu do santuário’.  ‘Essa imagem da esperança tornou-se clássica. Mas temos também uma outra imagem da esperança em certo sentido oposta: a vela. Se a âncora é aquilo que dá ao barco a segurança e o mantém firme entre o balanço do mar, a vela é, ao contrário, aquilo que o faz avançar no mar. Ambas as coisas fazem a esperança com o barco da Igreja. Ela é, na verdade, como que uma vela que recolhe o vento e, sem barulho, o transforma em força motora que leva o barco, segundo os casos, para o mar aberto ou para a margem. Como a vela nas mãos de um bom marinheiro consegue utilizar todos os tipos de vento, de onde quer que ele sopre, favorável ou menos favorável, para fazer o barco avançar na direção desejada, o mesmo faz a esperança. Trata-se agora de ver como orientar essa vela, como utilizá-la para que ela faça mesmo cada um de nós avançar à santidade, e todo o Reino de Deus até os confins da terra’ (Raniero Cantalamessa). Temos uma pergunta fundamental: ‘Como manter viva a esperança, não só em nossa vida, mas também de modo a transbordá-la para o mundo desesperançado?’ Diariamente, Deus renova na vida de seus amados filhos a graça da esperança, a nós cabe acolhê-la. Isso se dá através dos Sacramentos, da própria Palavra de Deus, da voz de Deus em nosso coração que continuamente nos diz: ‘Levanta e anda!’. E esta ação do Senhor restaura o que antes era enfermo.
 Antigamente, os fiéis, ao sair da Igreja, passavam a água benta de mão em mão, desejando que, através desse gesto simples, a outra pessoa também recebesse as graças e os dons de Deus. Podemos seguir esse exemplo e passar ‘de mão em mão’, de pai para filho, de amigo para amigo, a alegria e a paz da esperança. São Paulo nos fala na carta aos Romanos: ‘Que o Deus da esperança vos cumule de alegria e de paz na fé’ (Rm 15,13); daí temos a certeza de que a alegria e a paz são frutos diretos da esperança, e como vivemos num mundo sem alegria e sem paz, podemos afirmar que o homem de hoje perdeu a esperança, mas deseja reencontrá-la porque não deixa de procurar (ainda que de forma equivocada), alguma coisa que responda a essa sua necessidade. Não devemos ter medo de parecer ingênuos, falando de esperança e com o nosso testemunho contagiando o mundo com a alegria e a paz que vêm de Deus.
‘Talvez, em nenhum outro momento, o mundo moderno mostrou-se tão bem-disposto para com a Igreja, tão à escuta dela, como durante os anos do Concílio. E o motivo principal é que o Concílio dava esperança. A Igreja não pode fazer, no mundo, uma doação melhor do que dar-lhe esperança, não esperanças humanas, efêmeras, econômicas ou políticas, sobre as quais ela não tem competência específica, mas esperança pura e simples, aquela que, mesmo sem o saber, tem por horizonte a eternidade e por avalista Jesus Cristo e a sua Ressurreição. Essa esperança servirá também de mola para todas as outras legítimas esperanças humanas’ (Raniero Cantalamessa). ”[9]
“Toda a ação séria e reta do homem é esperança em ato. É-o antes de tudo no sentido de que assim procuramos concretizar as nossas esperanças menores ou maiores: resolver este ou aquele assunto que é importante, para prosseguir na caminhada da vida; com o nosso empenho contribuir a fim de que o mundo se torne um pouco mais luminoso e humano, e assim se abram também as portas para o futuro. Mas o esforço quotidiano pela continuação da nossa vida e pelo futuro da comunidade cansa-nos ou transforma-se em fanatismo, se não nos ilumina a luz daquela grande esperança que não pode ser destruída sequer pelos pequenos fracassos e pela falência em vicissitudes de alcance histórico. Se não podemos esperar mais do que é realmente alcançável de cada vez e de quanto nos seja possível oferecerem as autoridades políticas e econômicas, a nossa vida arrisca-se a ficar bem depressa sem esperança. É importante saber: eu posso sempre continuar a esperar, ainda que pela minha vida ou pelo momento histórico que estou a viver aparentemente não tenha mais qualquer motivo para esperar. Só a grande esperança-certeza de que, não obstante todos os fracassos, a minha vida pessoal e a história no seu conjunto estão conservadas no poder indestrutível do Amor e, graças a isso e por isso, possuem sentido e importância, só uma tal esperança pode, naquele caso, dar ainda a coragem de agir e de continuar. Certamente, não podemos ‘construir’ o Reino de Deus com as nossas forças; o que construímos permanece sempre reino do homem com todos os limites próprios da natureza humana. O reino de Deus é um dom, e por isso mesmo é grande e belo, constituindo a resposta à esperança. Nem podemos, para usar a terminologia clássica, ‘merecer’ o céu com as nossas obras. Este é sempre mais do que aquilo que merecemos, tal como o ser amados nunca é algo ‘merecido’, mas um dom. Porém, com toda a nossa consciência da ‘mais valia’ do céu, permanece igualmente verdade que o nosso agir não é indiferente diante de Deus e, portanto, também não o é para o desenrolar da história. Podemos abrir-nos nós mesmos e o mundo ao ingresso de Deus: da verdade, do amor e do bem. É o que fizeram os santos que, como ‘colaboradores de Deus’ contribuíram para a salvação do mundo (cf. 1Cor 3,9; 1Ts 3,2). Temos a possibilidade de livrar a nossa vida e o mundo dos venenos e contaminações que poderiam destruir o presente e o futuro. Podemos descobrir e manter limpas as fontes da criação e assim, juntamente com a criação que nos precede como dom recebido, fazer o que é justo conforme as suas intrínsecas exigências e a sua finalidade. Isto conserva um sentido, mesmo quando, aparentemente, não temos sucesso ou parecemos impotentes face à hegemonia de forças hostis. Assim, por um lado, da nossa ação nasce esperança para nós e para os outros; mas, ao mesmo tempo, é a grande esperança apoiada nas promessas de Deus que, tanto nos momentos bons como nos maus, nos dá coragem e orienta o nosso agir.”[10]
“Um dos maiores problemas especulativos da teologia é resolvido, na vida cristã prática, pela virtude da esperança. O mistério do livre arbítrio e da graça, da predestinação e da cooperação com Deus, é resolvido na esperança, que efetivamente coordena as duas coisas nas suas relações uma com a outra. Aquele que espera em Deus não sabe que é predestinado ao Céu. Mas, se ele persevera em sua esperança e faz continuamente os atos de vontade inspirados pela Graça divina, estará entre os predestinados: porque este é o objeto da esperança, e ‘a esperança não confunde’ (Rm 5,5). Cada ato de esperança é ato seu, pertence-lhe, mas é também um dom de Deus. E a essência mesma da esperança é esperar, livremente, como dádivas gratuitas de Deus, todas as graças necessárias à salvação. O livre arbítrio que resolve esperar estes dons reconhece implicitamente que o seu ato de esperança é também dom de Deus. E, no entanto, vê ele, igualmente, que, se não quisesse esperar, não se deixaria mover por Deus. A esperança é a aliança de duas liberdades, a humana e a divina, na aceitação de um amor que é, simultaneamente, promessa e já início de realização.” [11]
“O futuro de Deus é absolutamente imprevisível, porque é o futuro absoluto, do qual o homem não pode dispor. Por isso, a esperança, antes de tudo, põe o homem em atitude de espera, o que não significa inércia ou falta de compromisso, porque o Deus que virá é o Deus que já veio, que já remiu o mundo e a história humana. Por isso, o homem deve aceitar o risco de sua liberdade, assumindo a responsabilidade histórica que lhe compete no horizonte da dependência transcendental de Deus. A esperança é aceitação deste risco, sabendo que as obras realizadas no mundo não se perderão na caducidade da morte, mas passarão com o homem para a nova vida. Com sua ação, o cristão dispõe-se e dispõe o mundo a receber a graça da salvação futura. Prepara e antecipa a manifestação definitiva da glória de Deus em Cristo. O futuro da esperança cristã não é o horizonte vazio de esperar indefinido, mas a plenitude real do homem em todas as dimensões fundamentais de sua existência: em sua abertura ao absoluto, que será saciada com a visão de Deus; na comunhão interpessoal, que será consumada e expressa mediante a participação de todos na glória de Cristo na relação com o mundo e com a história, que não será destruída, mas assumida na nova existência da humanidade.
Sem dúvida alguma, olhando para o futuro absoluto, a esperança relativiza, na perspectiva do provisório, todas as metas alcançadas pelo homem na história, revelando-lhe sua dimensão de penúltimo. Não pode declarar-se satisfeita com nenhuma destas metas, mas vai sempre prosseguindo para frente, buscando o novo e o melhor em estado constante de êxodo para o cumprimento futuro da promessa. Por este motivo, assume atitude crítica de vigilância em face da ambivalência do progresso, mas ao mesmo tempo aceita com confiança as esperanças humanas, orientando-as para o novo e o último. A vocação cristã é vocação para um amor criativo, que deve ser vivido concretamente no seio da realidade histórico-social tal como se apresenta. A esperança estimula o homem a dar-se, ao mesmo tempo que lhe permite aceitar sempre novas possibilidades do futuro que espera.  Sobretudo, porém, alimenta no homem o sentido da contemplação e da gratidão por tudo que recebeu. ‘A consciência orante está à espera e sabe que o que espera não pode vir de si mesma, mas deve vir de Deus. Portanto, não se caracteriza unicamente por esperar, mas também, na espera, pelo reconhecimento do dom, que é o próprio Deus e tudo o que vem de Deus’ (M. Nédoncelle).
A própria práxis a que a esperança abre caminho para o ser humano deve assumir a dimensão de oração. ‘Só podemos aproximar-nos de Deus quando, para além de todos os nossos problemas, fica em nós espaço livre para o que sua vontade tem de inesperado; quando todos os programas, todas as previsões e cálculos são movimentados e mantidos suspensos pelo que sempre há de maior em seu chamado dirigido a nós. Tão somente com esta disponibilidade de absoluta resolução no sentido de obedecer antes de tudo, é que o cristão pode reivindicar para si a palavra 'amor'; para sua vida e para sua ação. Do contrário, sua atitude e seu compromisso não superarão o nível de um compromisso humano médio que, se observarmos o que a experiência nos ensina, nos mostrará que frequentemente rende muito mais e está disposto a maiores sacrifícios que o de alguns cristãos’ (H.U.von Balthasar) .
Viver sob a soberania de Deus, manifestada na ressurreição de Cristo, significa viver como emigrantes prontos para a partida. Por isso, Cristo estabelece e inaugura a hora da missão. A esperança se transforma em atitude ativa, alimentada pela coragem e pela fortaleza de ânimo, a qual fomenta e estimula a resistência no sofrimento e a tensão na luta. Desta forma, o cristão é chamado a viver seu compromisso com o mundo não para continuar sendo o que é, mas para transformar-se continuamente e chegar a ser o que lhe foi prometido que será. ”[12]

Pecados contrários à virtude da Esperança: Desespero e Presunção

À virtude da esperança opõem-se, por defeito, o desespero e, por excesso, a presunção.
O desespero é o ato ou efeito de desesperar-se; desesperação; estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento; estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança; estado de desânimo, de sofrimento a que se sujeita uma pessoa devido a um excesso de dificuldades e de aflições; aflição, angústia, exasperação; o que causa desespero; aquilo que, pela sua dificuldade e por uma exigência de perfeccionismo, causa frustração ou desânimo; irritação profunda; cólera, furor, raiva, ficar furioso; encolerizar-se.”[13]  “Pelo desespero, a pessoa humana deixa de esperar de Deus sua salvação pessoal, os auxílios para alcançá-la ou o perdão de seus pecados. O desespero opõe-se à bondade de Deus, à sua justiça porque o Senhor é fiel as suas promessas e à sua misericórdia. ”[14] “O desespero é o amor de si mesmo em sua forma extrema e absoluta. Chega alguém a isso quando volta deliberadamente as costas a qualquer ajuda alheia para desfrutar o luxo amargo de se saber perdido. Em todo homem se esconde alguma raiz de desespero, porque em todo homem há o orgulho que vegeta e do qual brotam os cardos e as flores mal cheirosas da autocomiseração, logo que sentimos falhar nossos próprios recursos. Mas como nossos próprios recursos inevitavelmente falham quando deles necessitamos, somos todos mais ou menos sujeitos ao desânimo e ao desespero. O desespero é o desenvolvimento máximo de um orgulho tão grande e obstinado, que escolhe a desgraça total da danação, de preferência a aceitar a felicidade das mãos de Deus e, assim, reconhecer que ele nos é superior e que não somos capazes de realizar nosso destino sozinhos. ”[15]
“Há duas espécies de presunção. Ou o homem presume de suas capacidades, esperando poder salvar-se sem a ajuda do alto, ou então presume da onipotência ou da misericórdia de Deus, esperando obter seu perdão sem conversão e a glória sem mérito. ”[16]

Santa Clara e a virtude da Esperança

“Que troca maior e mais louvável: deixar as coisas temporais pelas eternas, merecer os bens celestes em vez dos terrestres, receber cem por um e possuir a vida (cf. Mt 19,29) feliz para sempre!”[17]

“Se você sofrer com ele, com ele vai reinar; se chorar com ele, com ele vai se alegrar; se morrer com ele (cfr. 2Tm 2,11.12; Rm 8,17) na cruz da tribulação vai ter com ele mansão celeste nos esplendores dos santos (Sl 109,3). E seu nome, glorioso entre os homens, será inscrito no livro da vida (Sl 109,3). Assim, em vez dos bens terrenos e transitórios, você vai ter parte na glória do reino celeste eternamente, para sempre, vai ter bens eternos em vez dos perecedores, e viverá pelos séculos dos séculos.”[18]

“Ponha a mente no espelho da eternidade, coloque a alma no esplendor da glória (cf. Hb 1,3).” [19]

“Feliz, decerto, é você, que pode participar desse banquete sagrado para unir-se com todas as fibras do coração àquele cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar, cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente, cujo perfume dará vida aos mortos, cuja visão gloriosa tornará felizes todos os cidadãos da celeste Jerusalém, pois é o esplendor da glória (Hb 1,3) eterna, o brilho da luz perpétua e o espelho sem mancha (Sb 7,26).” [20]

“Por isso, se vivermos de acordo com essa forma, daremos aos outros um nobre exemplo (cf. 2Mc 6,28.31) e vamos conquistar o prêmio da bem-aventurança eterna com um trabalho muito breve.”[21]

Fontes Históricas

“E no fim de sua vida, tendo chamado todas as suas Irmãs, recomendou-lhes cuidadosamente o Privilégio da Pobreza. E como desejava enormemente que a regra da Ordem fosse bulada, mesmo que tivesse que pôr essa bula na boca em um dia e morrer no dia seguinte, assim lhe aconteceu, pois veio um frade com a carta bulada, que ela tomou reverentemente e, embora estivesse à morte, colocou ela mesma aquela bula na boca para beijá-la. E depois, no dia seguinte, a predita dona Clara passou desta vida para o Senhor, verdadeiramente Clara sem mácula, sem escuridão do pecado, foi para a claridade da luz eterna. Do que não têm dúvida nem a testemunha nem as Irmãs e nenhum dos outros todos que conhecem a sua santidade.”[22]

“A testemunha também disse que, na noite da sexta para o sábado, três dias antes da morte da senhora Santa Clara, de feliz memória, estava sentada com outras Irmãs junto ao leito da senhora, em lágrimas pelo trânsito de uma mãe de tal valor. E, sem que nenhuma pessoa lhe falasse, a senhora começou a encomendar sua alma, dizendo assim: ‘Vai em paz, porque você vai ter boa escolta; pois aquele que a criou, previu a sua santificação. E, depois que a criou, infundiu em você o Espírito Santo. E depois a guardou como uma mãe cuida do seu filho pequenino’. Uma Irmã, Irmã Anastácia, perguntou com quem ela estava falando, e a quem dirigia aquelas palavras, e a senhora respondeu: ‘Falo com a minha alma bendita’.” [23]

“O pai Francisco exortava-a a desprezar o mundo, mostrando com vivas expressões que a esperança do século é seca e sua aparência enganadora. Instilou em seu ouvido o doce esponsal com Cristo, persuadindo-a a reservar a jóia da pureza virginal para o bem-aventurado Esposo a quem o amor fez homem.” [24]

“Seu ânimo não esmoreceu nem seu fervor esfriou, mesmo sofrendo obstáculos por muitos dias no caminho do Senhor e com a oposição dos familiares a seu propósito de santidade. Entre insultos e ódios, temperou sua decisão na esperança, até que os parentes, derrotados, se acalmaram.” [25]

“A virgem colocou para si mesma o resumo de toda fé e esperança só na virtude da cruz, cujos méritos estão anotados na Sagrada Página e são figurados pelos perfumes fechados.” [26]

“Por quarenta anos esta virgem correu no estádio da pobreza buscando alcançar o prêmio (cf. 1Cor 9,24) da vida, por cuja esperança achava leves as coisas ásperas, tendo-se submetido espontaneamente a muitos sacrifícios, tendo macerado o corpo com várias mortificações para que seu terreno, rico pelo germe de muitos méritos, sempre cultivado com novas culturas e rasgado pelo duro arado, fosse mais gratificado por novas colheitas.” [27]



[1] Catecismo da Igreja Católica 1817-1821.
[2] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 337-338.
[3] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 333.
[4] Pequena Enciclopédia de moral e Civismo.
[5] MERTON, Thomas. Homem algum é uma ilha; tradução de D. Timóteo Amoroso, OSB. 6.ed. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1976.
[6] Papa Bento XVI, Spe Salvi, 2007 , n° 32-34.
[7] MERTON, Thomas. Homem algum é uma ilha; tradução de D. Timóteo Amoroso, OSB. 6.ed. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1976.

[8] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 335-339.
[9] Bibliografia consultada: Cantalamessa, Raniero. Preparai os Caminhos do Senhor. São Paulo: Loyola.
[10] Papa Bento XVI, Spe Salvi, 2007, n° 35.
[11] MERTON, Thomas. Homem algum é uma ilha; tradução de D. Timóteo Amoroso, OSB. 6.ed. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1976.
[12] Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, 339-340. 
[13] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Editora Objetiva, 2009.
[14] Catecismo da Igreja Católica 2091.
[15] MERTON, Thomas. Novas Sementes de Contemplação. Petrópolis-RJ, 1963, p.184.
[16] Catecismo da Igreja Católica 2092.
[17] 1CtIn 30.
[18] 2CtIn  21-23.
[19] 3CtIn 12.
[20] 4CtIn 9-14.
[21] TSC 23.
[22] ProcC 4, 32.
[23] Idem 11, 3.
[24] LSC 5.
[25] Idem  9.
[26] LgVs 28.
[27] Idem 30.